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OPINIÃO "
Catalunha: nem só de pão legal e razão formal vive o
homem
Nem todos se apercebem de que a revolução ou a declaração de independência
raras vezes é “legal” ou “constitucional” à luz do quadro jurídico que
precisamente visa quebrar
10 de
Outubro de 2017, 6:12
1. Há duas semanas chamei aqui a atenção para a ênfase
que tem sido dada aos aspectos jurídicos de natureza constitucional e legal e
agora até, mesmo de direito internacional. Choca-me de sobremaneira que
observadores com responsabilidades continuem a centrar o debate nas questões
jurídicas e constitucionais. Elas são importantes e são realmente
imprescindíveis para encontrar respostas, reacções e soluções para o problema
em curso. Mas, quer gostem quer não os observadores encartados e muitas das
autoridades espanholas, os fundamentos jurídicos puros revelar-se-ão sempre
insuficientes. Parece que muitos não conhecem um ensinamento da chamada “teoria
da constituição” (Verfassungslehre) - uma disciplina bastante esquecida e pouco
cultivada -, segundo o qual é mais fácil rasgar uma constituição ou fazer uma
nova lei fundamental do que simplesmente rever uma constituição já vigente. Na
verdade, nem todos se apercebem de que a revolução ou a declaração de
independência raras vezes é “legal” ou “constitucional” à luz do quadro
jurídico que precisamente visa quebrar. Elas, no seu ideário, representam ou
transportam consigo uma nova “ideia de direito” ou uma “pretensão de
legitimidade” inaugural, que justamente as torna e as apresenta como
“legítimas”, mesmo que não “legais”. Eis o que, em seu tempo, um dos grandes
pensadores do direito em Portugal, Castanheira Neves, explicou magistralmente
em A revolução e o direito. Como tantos têm para aí repetido, sem
sempre pensarem no alcance integral do que estão a dizer, as constituições
mudam-se. É portanto fundamental ir em busca de argumentos substantivos de
outra ordem, em que o direito positivo terá um lugar ancilar e instrumental.
Porque as constituições mudam-se. E se não se mudam, criam-se.
2. Outro equívoco que
para aí faz caminho e que também não levará a lado algum é a ideia feita de que
a Catalunha nunca foi um Estado - ao contrário da Escócia - e, por isso, a sua
aspiração independentista é infundada. O argumento começa logo por não valer
porque nada impede que uma comunidade humana de valores e de cultura desenvolva
essa aspiração, ainda que pela primeira vez na história. Até o século XII,
Portugal não fora independente e isso não o impediu de reivindicar esse
estatuto sem precedente. E, já no século XX, em fazes diversas, o mesmo se pode
dizer da Estónia, da Letónia ou do Kosovo. Não havia precedente de
“auto-constituição” independente e poucos questionaram a legitimidade e a
viabilidade dessa aspiração. Mas no caso da Catalunha, a história, desde os
tempos de Carlos Magno e dos alvores do século IX, está repleta de densidade,
complexidade e riqueza e não pode ser despachada num simples formalismo do tipo
“houve ou não houve, em algum momento, um Estado soberano?”. Primeiro, porque
quando nos reportamos à transição da Alta Idade Média para a Baixa (e mesmo
durante toda esta), não pode falar-se nem em Estados nem em soberania, tal como
as conhecemos. Depois, porque é preciso perceber que tudo começou por Perpignan
e o Roussillon, entre aquele canto de França e o norte da Catalunha. Chegou
mesmo a Mompilher, que é a deliciosa tradução lusa de Montpellier e, já agora,
dá há muito nome a uma praceta da moda no Porto. Os laços do condado da
Catalunha com o que viria a ser Aragão, com a Navarra e o califado de Córdoba
foram sempre de geometria variável. E que quando no século XII, o reino de
Aragão se une por casamento ao condado da Catalunha, criou-se para uns o
Rei-Conde e para outros o Conde-Rei, dando nota da subsistência separada de
quadros institucionais e simbólicos, mesmo ao nível das Cortes e dos Fueros.
Tudo isto serve, na escala política medieval, em que o título de rei não tinha
o sentido actual, para forjar com mais ou menos verosimilhança, uma mitologia
catalã, uma mitologia fundacional. As
coisas não param por aqui porque o Rei-Conde depressa se tornou senhor de um
império (à moda medieval), primeiro continental (Aragão, Catalunha, Valência) e
depois ultramarino (Baleares, Sardenha, Córsega, Sicília, Malta e Nápoles,
chegando ao ducado de Atenas e Neopatra). A dada altura, do porto de Barcelona
partia uma rede “quase hanseática” de cidades do Sul, que aproveitavam o
declínio bizantino e impediam o avanço otomano. O império de Aragão,
capitaneado pelo Conde-Rei, dominava completamente o Ocidente do mediterrâneo,
a ponto de engendrar dois Papas da família Borja (Borgia), Calisto III e o bem
conhecido Alexandre VI. Isto não era a Espanha, com a sua meseta metropolitana
e a sua deriva atlântica a norte, a sul e a ocidente. Mitologicamente, isto é
mais a ressurreição de Cartago do que a epopeia das novas índias. Não por
acaso, depois das convulsões de 1640, e já no momento decisivo da guerra da
sucessão, a Catalunha militou ao lado dos Habsburgos e a Espanha ficou nas mãos
dos Bourbons. Os Habsburgos eram o Levante; os Bourbons, o Ocidente. A
Catalunha não estava só: Valência caiu em 1707, Aragão em 1708 e Barcelona em
1714. Separar, para este efeito histórico, a Catalunha de Aragão pode dar jeito
retórico, mas não subsiste a um exame sério. Não falta, aliás, na Catalunha
quem sonhe com a Grande Catalunha que se estende ao País Valenciano, às
Baleares e à Catalunha francesa. Como há quem sonhe com a Grande Vascónia, que
entra pela França e engole a Navarra. Sonhos que deixam a França em vigília. Numa
palavra, não vale a pena iludir: há história, há mitos, há epopeia, há
mártires.
3. Por tudo isto, eu que
vejo no processo independentista catalão algo muito nefasto e perigoso, digo e
redigo: não vamos lá apostando tudo no direito; não vamos lá invocando
argumentos formais de vácuo histórico e de marco sem precedentes. É preciso
mais, muito mais. Sabedoria e sageza. Ainda não estou pessimista."
Unquote
E a essência dos argumentos está aqui! Mas há mais e a estes voltarei!
Confrontar com https://lopesdareosa.blogspot.pt/2017/10/carlos-gaspar.html
tone do moleiro novo I - O chato
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