terça-feira, 26 de abril de 2016

O Ouro das Minhotas


Estou numa de etnografia tradicional ou de tradição etnográfica.  E quanto à tradição tenho a minha máxima: Quando a intelectualidade se interessa pela tradição é porque a tradição já não o é! Mostrei um texto meu, em que tal afirmava, ao meu amigo Benjamim Enes Pereira que se deu ao trabalho de me observar: - Oh Lopes, essa é para mim!
- Não é nem poderia ser. Esclareci. Eu sei que antes do Benjamim escrever sobre as cortas do argaço muito dele o carregara para a Casa de seus Pais. Muito antes de escrever sobre os moinhos, se dirigia numa burra aos de Cabanas para moer o milho e o trigo. Muito antes de escrever sobre o linho e os teares, tinha aprendido toda a técnica com a mãe e as irmãs. Até mesmo a urdidura! Muito antes de escrever sobre as subidas à Chão, muitos carros de mato teria cortado e conduzido pela Costa até à Casa das Bourôas. Muito estrume teria arrancado nos eidos antes de escrever sobre as veigas com tal adubadas. E por aí fóra!

Mas vou agora falar duma tradição que ainda é o que era. Descontando os exageros!
Isto vem a propósito de muito recentemente e numa referência a um livro, também recente, de Orlando Raimundo -  ANTÓNIO FERRO O INVENTOR DO SALAZARISMO, ter lido que 

Li esta invenção em http://horasextraordinarias.blogs.sapo.pt/invencoes-290725

Ora já em 2008 no jornal de Águeda A SOBERANIA DO POVO, Manuel Farias num texto intitulado O folclore e a raça se referia à mesma invenção;


Mas, do mesmo Manuel Farias e num escrito datado de 28 de Outubro de 2013;

“Na década de 50, muitas pessoas, mulheres e homens, foram apresentadas ao Tribunal de Polícia, depois de presas durante 1 ou 2 dias, quando eram apanhadas a circular descalças nas cidades e nas vilas, já que nas aldeias a liberdade era outra. Aqui viam-se mulheres com arcadas de ouro e pé descalço, no verão sempre e muitas vezes todo o ano. Viam-se homens com botas dependuradas ao ombro, ou tamancos metidos nos alforges, para calçar apenas na chegada à vila, evitando assim multas e chatices.”
Ver em  http://trajesdeportugal.blogspot.pt/2013/10/pe-descalco.html

Aqui chegado seria de perguntar em que ficamos?
- As arcadas de ouro que se viam nas mulheres de pé descalço foram-lhes oferecidas pelo António Ferro?

Aqui chegado lembro o testemunho da Mãe dos meus amigos Domingos e António Cachadinha. Galega de origem e habituada a outras vidas, que me contou que a coisa que mais a impressionara, jovem noiva, recém chegada a Nogueira, perto de Viana, fora o facto de ver as mulheres irem para a festa descalças mas com ouro ao peito!
 
- Teria sabido ela então que a culpa era do António Ferro? – Não lhe perguntei mas tenho pena!
Aqui chegado tenho uma fotografia da minha mãe tirada por volta de 1937/1940 em que usa apenas uns brincos chamados à Rainha e, chegado ao pescoço, um fio com uma meia libra cercada.
Perguntei-lhe:

- Minha Mãe porque é que pôs apenas aquelas peças de ouro  para a sua fotografia trajada à Lavradeira?
- Porque não tínhamos mais! (foi a resposta referindo-se à família)

Vinte e cinco anos mais tarde, a Minha Irmã, trajando a mesma roupa, tirou também uma fotografia onde mostra já um colar de contas de Viana e um cordão para além da mesmas peças exibidas  pela Nossa Mãe.

Num dia destes perguntei à Minha Mãe se sabia quem era o António Ferro. Disse-me que não!

Era para lhe explicar que tinha sido o homem que oferecera os cordões de ouro para a Minha Irmã tirar a fotografia! Desisti da ideia pois corria o risco de ser julgado como maluco pela minha própria Mãe!

Resumindo:
Aos entendidos e antes de dizerem asneiras, cultivem-se! Peguem num regador e ensopem bem os neurónios. Com o calor da Primavera desabrocharão e a coisa desenvolver-se-á!

Leiam Camilo ou Ramalho Ortigão testemunhas oculares daquilo que passava nos idos anos de dezanove. Reparem bem nas fotografias do início do Século Vinte.

Podem também ler o trabalho de Margarida Durães
QUALIDADE DE VIDA E SOBREVIVÊNCIA ECONÓMICA DA FAMILIA CAMPONESA MINHOTA: O PAPEL DAS HERDEIRAS (SECS. XVIII - XIX). Cadernos do Noroeste Vol. 17 (1 - 2), 2002, 125-144.  Braga 2002. Em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/3220/1/CNoroeste17.pdf

 “ O Luxo ficou reservado às jóias e ornatos de ouro e prata. Qualquer camponesa devia possuir o seu colar de contas para exibir nas romarias e nas ocasiões festivas. Mas também eram fundamentais os brincos e todo um conjunto de peças como as cruzes, os cordões, as “veneras”, os laços e outras mais. Tudo devia ser ouro reluzente de modo a atrair e chamar a atenção para os predicados das raparigas casadoiras e para o êxito dos maridos das casadas. As jóias eram um património de tal valor material e simbólico que não deixavam desinteressados aqueles que as herdavam ou as recebiam através de dotes, legados ou “deixas”. Até porque as jóias tinham várias finalidades: enfeitavam os semblantes femininos, simbolizavam o poder material da família e por consequência o respectivo prestígio social, mas também eram um investimento e reserva monetária à qual se podia lançar a mão em momentos difíceis. Estas eram as razões pelas quais a posse de peças de ouro se tornou tão importante na economia da casa camponesa minhota. Com elas enriqueciam-se enxovais, faziam-se empréstimos, pagavam-se serviços e custeavam-se os legados pios se a casa não tinha disponibilidades monetárias nessas ocasiões. Adquirir peças de ouro era uma forma de entesourar e valorizar as economias conseguidas em anos fartos, para as utilizar posteriormente, quando as dificuldades surgiam. Mas, a principal finalidade, ou pelo menos a mais imediata enquanto outras necessidades não surgiam, era, sem dúvida, a ornamentação e o complemento mais importante do traje camponês feminino. Desde os botões dos coletes ou do pescoço, aos laços, cordões, fios, contas, cruzes, veneras, tudo servia para glorificar a beleza feminina, enaltecer e prestigiar a mulher, e, sobretudo a família à qual ela pertencia.”
Fim de citação

 A mim não me preocupa a asneira pois nem de raspão me toca!
O que me preocupa é que daqui a cem anos não vou ser eu o citado.

Serão os entendidos de agora!
E então os investigadores, a haver, chegarão à conclusão que na primeira metade do Século Vinte tinha existido um tal António Ferro, homem de tais posses, que resolveu oferecer cordões de ouro ás lavradeiras minhotas!

Ora vão levar a coelhinha ao macho se não tiverem mais com que se entreter!

TONE DO MOLEIRO NOVO

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A Cana Verde

Não sei porque é que  Fernando de Castro Pires de Lima  chamou à  Chula a  verdadeira canção nacional. Descendente dos de Carreço teria (ou não) frequentado as feiras, festas e romarias onde a chula seria cantada e dançada. E chegaram até nós exemplares notáveis dessa dança desde a de Barqueiros à de Baião passando pela Amarantina de que apenas conheço versões tocadas e cantadas.

Bisneto de Francisco Gonçalves Lima e Maria Pires, de Carreço. Ele da Casado Louvado,  ela da Casa do Pires.

Deveria também ter esbarrado com as rodas da Cana Verde. Celebrações. Instantes mágicos de um sincronismo hipnótico que paralisa na contemplação todos aqueles que não entram na roda. Peneda, S. Bartolomeu, S. Bento do Cando, Sra. Da lapa. Barca, Arcos. Depois aqueles tocadores que parece terem nascido ensinados para aquilo mesmo.

Ora acontece que a Cana Verde, afinal uma dança, transcende a própria dança para se tornar num todo quando se conjuga uma trindade numa amálgama única; o canto, a música e a dança.

Faleceu recentemente um dos protagonistas mais notáveis dessa "cultura". O Sargaceira, tocava como muitos, cantava como poucos, dançava como todos. O que fazia dele uma personagem completa.


Cana verde cantada para os anos do kevin tocada pelo Mike da gaita e Igor Monteiro e Carreira part.2   ver em
Mas vejam agora uma outra faceta. O ambiente alto minhoto em Paris. Muito gostaria eu que os entendidos estudassem o "fenómeno". Coisa que julgo única em todo o território, o pessoal a concentrar-se não só nas romarias mas também nas tardes domingueiras dos Arcos para dançar a Cana Verde. E em Paris! E não é deturpação nem assunto de tresloucados tocadores de um instrumento maldito. É uma coisa bem mais profunda. Basta repararem como ainda se canta e por terras estrangeira!

E tenho quase a certeza que encontrarei esta gente, neste Verão, ou na Barca ou nos Arcos!

lopesdareosa

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A Chula de Barqueiros

Não morro de amores pelos "ranchos". Mas sei de onde vinham os ranchos e para onde iam!

No entanto também e por isso, desdenho daqueles que dos ranchos desdenham! Que não representam. Que deturparam. Que desvirtuaram! E não sei que mais.

Assim os puristas ficariam nas recolhas dos entendidos e muitas vezes se quedam no material coleccionado por Giacometi.

Não reparam que os ranchos melhor, ou pior, são ainda o repositório de outras memórias para além das músicas. Dos trajes e das danças.

Destes e destas não há intelectualidade que as preservassem.

Mas quero reparar que se não fossem os ranchos não teriam chegado até nós preciosidades como o Malhão de Águeda, como a Gota de Gondarém, como as Soajeiras, como a Chula de Cinfães, como o Velho e a Velha das Argas, como a Gota da Serra d'Árga, Como o Valentim de Barcelos, como as Torradinhas da Póvoa ou os Viras das Caxinas e tantas outras.

E há um tema de que recordo  ter assistido nos festivais de Santa Marta de Portuzelo nos inícios da década de sessenta em que os dançadores partiam os palcos. Era e ainda é, a Chula de Barqueiros.

Os de Barqueiros estiveram na minha terra duas vezes nestes últimos anos. Deslumbraram-me de novo com a Chula Rabela no cenário natural de S. Mamede. Tive o Fotógrafo José Maria Barroso como companheiro testemunhal.

Mas maravilha do youtube. Encontrei lá esta pérola de vinho. Ou este vinho de pérolas.

 
Trata-se de um filme promocional feito, vejam lá, pelos americanos. E agora esperam pela parte final do mesmo e digam o que lá vêem e ouvem. Vêem a Chula de Barqueiros no seu ambiente e ouvem o fundo musical da Chula numa versão de orquestra de swing.
 
 
Comparem com a mesma dança com intérpretes nossos contemporâneos e contem-me se estes tiveram algum trabalho nas recolhas!
 
 


 
 
Passem bem!


lopesdareosa