quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

DEPOIS DE NINIVE





"JARDINS SUSPENSOS


Em Hampton Court

Em Hampton Court estive...


Ou foi em Ninive?

Ou foi em Ninive?"

Pedro Homem de Mello (Em Cartas da Inglaterra)

Ninive


Hampton Court foi bombardeado na Segunda Guerra


Depois de Ninive.
Destruição de Ninive

Nunca em Guernica!    -  Imaginaria eu!


Nunca em Dresden!       - Pensaria eu!


JAMAIS EM  TÓQUIO


Nunca mais Hiroshima     disse William Burchett,
Nem eu sei porque é que coloquei isto aqui. Mas vou deixar ficar. Pode ser que seja inédito e que  daqui a cem anos um crítico literário comente a grandeza dos ditos e a profundeza das motivações e do contexto. E descubra, no supra-sumo do desarrincanço, emanações e intenções que nem o próprio autor imaginaria. Aliás é o que acontece nos dias de hoje.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

TIO BENIGNO DE GONDARÉM


O TIO BENÍGNO

Passsei horas e horas a ouvi-lo tocar a Gôta. Não falhava um feira em Cerveira. Era o tocador de Gondarém que eu vira quando miúdo, na televisão, nos programas do Dr. Pedro. Muitas vezes o fui visitar a sua casa. Estive em Gondarém no dia do seu funeral. Para que constasse, ainda mais, na história a A AURORA DO LIMA publicou em 3 de Abril de 1996 o seguinte:


"O TIO BENIGNO DE GONDARÉM 

Tio Benigno
Artemiza do Penedo
Cândida do Guilhadas
Patego
Leandro do Milé

O Dr. Pedro chamava-lhes “Os cinco de Gondarém”. E mais não seriam precisos. O Tio Benigno tocava a concertina, os outros cantavam e dançavam. Dançavam com aquele jeito escangalhado como dizia o Nelson de Covas. – A Nossa Elegância é a nossa deselegância, dizia Domingos Enes Pereira. E ao mesmo tempo cantavam como já não se canta ( ou ainda sim)  no Alto Minho.

Aprendi a vê-los e a ouvi-los na televisão. Tinha eu cerca de catorze anos. Depois, no Porto, o Paulo Lemos Costa explicou-me quem eles eram. Um a um. Acabei por me acercar deles. Estiveram no Monte de Santo António em Afife no ano de 1970. Estiveram no Casino de Afife em 1985. Não com a senhora Cândida mas com a D. Maria de Mangoeiro. Tocavam dançavam e cantavam o Vira, o Espanhol, a Peseta, a Rosinha, a Gota, os Dois Passos, a Francesa. Cantavam o Vai-te Lavar Morena.

O estribilho da Gôta por difícil que era, ( e é ) deve ter sido criado pelo Tio Benigno ao passar para a concertina os floreados de uma flauta ou gaita de foles de uma dança que, na maior parte das situações, apenas teria por acompanhamento alguns instrumentos de arame ou alguns bombos e pandeiros que houvesse à mão.

Tudo isto para justificar ( explicar é melhor ) porque é que eu aparecia, em Gondarém, de vez em quando. No ano passado, no Domingo Magro, fui a Gondarém. Parei junto à casa onde o Tio Benigno habitava. Dei com um movimento pouco usual para aquelas bandas. Perguntei o que acontecera.

-         Conhecia um Senhor que tocava concertina?

 Não respondi que sim nem  que não pois já adivinhara o motivo daquela resposta/pergunta. O Tio Benigno estava depositado. Os Filhos e Netos recebiam os amigos. No dia seguinte fui ao enterro. Não houve cantoria nem música de Concertina. Mas nem na Igreja de Gondarém, feita de Pedra Morena, nem no cemitério, nem no Calvário se poderão esquecer os sons da Gôta tocada pelo Tio Benigno. Por isso, um ano antes de morrer, o Dr. Pedro, na estalagem da Boega, mandou recado ao Tio Benigno para que lá fosse. Queria ouvir, pela última vez, a Gôta de Gondarém.  É até possível que mesmo depois da morte se continue com os sons da Gôta nos ouvidos. Ainda ninguém m’o desmentiu.

Mas esses sons não se repetem. Estão gravados, mas não se repetem. Só podem ser copiados. Isto porque se calou a concertina que os tocava. Isto porque, um dia, o Tio Benigno, chateado por não lhe pagarem os ferros da lavoura aquilo que entendia justo, decidiu não os vender, e dependurou-os nos muros da sua Casa. Alí para os lados de S. Sebastião. Com um letreiro;
































A MINHA ARTE TREMINOU
MAS NÃO SE BENDE  

 Ora a arte do Tio Benigno acabou, de facto, no Entrudo do ano passado. Mas como não podia ser negociada ninguém a comprou. Assim, ninguém ficou com ela. Muitos a copiam. Mas as cópias que ouço nem aos calcanhares do Tio Benigno chegam. A minha incluída. " 

NOTA
Aquando da publicação deste texto acabei por cometer um omissão pouco elegante. Eu sabia que, no Alto Minho, ainda se cantava e canta como antigamente. Fiquei com o segredo para mim. Hoje me penitencio. São também de Gondarém. São As da Chàozinha que sempre acompanharam o Tio Benigno por todo o lado. A todas as Irmãs o meu  público pedido de desculpas. A todas elas e ao seu irmão, o João Barrigas as minhas publicas homenagens.  Mas a Arte vem de família. Ainda tive a felicidade de falar com a Senhora Matriarca. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

JANEIRO, FEVEREIRO, MARÇO

- Vai-te embora Fevereiro curto
   que me deixaste com os meus tourinhos todos oito.

- Deixa estar minha velharrona, que vem aí o meu irmão Março
   que não te deixa senão quatro.

Fugei do rabo de Fevereiro e da cabeça de Março

O Fevereiro matou a mãe ao solheiro

O Março leva a pele e o pelaço.

O Março queimou a velha no palácio!

( Deixai-me escrever isto antes que as alterações climáticas me congelem a língua!
  Ou fritem a memória!)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO -- FRANCISCO

Já me referi a este texto de Maria Manuela Couto Viana em
ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO 

Uma despedida no meu pobre entender. Uma morte abstracta. Talvez de um tempo. Talvez do próprio tempo! É que e na última quadra, a autora confessa a sua dúvida.
"Minha noite de Ameaça
O meu punhal de ciúme,
Só não sei se foi o mar,
Se fui eu que o matara"

Mas se de um afogado da vida se tratasse, e tantos se enredaram no argaço, o Rapaz de Veludo poderia ser das Caxinas, de Caminha, ou mesmo de Carreço.
Francisco Enes Pereira, do lugar de Montedor, teve por sudário o crespelho do mar dos Açores.
Pedro Homem de Mello dedicou-lhe o seguinte texto:

FRANCISCO
"Trazia-nos o mar quando cantava...
Era seu canto a própria maresia!
Contudo, em sua boca, uma flor brava –
Rosa de carne – à terra, ainda o prendia.
Nos seus dedos, as sombras das gaivotas
Poisavam sem poisar...
Mastro perdido! Inverosímeis rotas
Que nunca mais hão-de recomeçar!
Seria frágil? Sim, porque era forte.
Seria bom? Não sei... mas era puro.
Tinha a beleza que anuncia a morte
Do lírio prematuro.
Quadril enxuto. E o peito? – Asas redondas
Com que se voa mais que se respira!
Corpo de efebo no cristal das ondas.
Em vez de vermes, algas de safira..."

Tinha vinte anos. Bem poderia ser o rapaz de veludo de Maria Manuela Couto Viana. Aliás os dois textos tresandam um ao outro. Esse sabor amargo que tanto aproximou os Poetas. Qual maior a admiração que tinham um pelo outro!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O VILARINHO

Prometi antes que voltaria a este brasileiro!
O Ernesto Paço tirou-nos esta fotografia no ano passado no São João das Cerejas




















O contra luz deu para não se perceber lá muito quem está ao lado. E ainda bem!
Atráz, o adro de S. João sempre pertenceu ao Nelson. Naquelas pedras, da capela, dos quarteis, estarão silenciosamente guardadas as imagens, os sons, a música, as quadras, do Nelson e  sua concertina.
Quem teve a felicidade de ter nascido a tempo de tudo isso presenciar olha para aquele lugar, jazigo, onde ficam depositadas todas essas recordações de um tempo impossivel de reconstruir.
Quem veio depois talvez imagine o que tenha sido.
É possível. Há quem tenha saudades desse não vivido.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O ADEUS DA OFÉLIA DAS CACHENAS

OFÉLIA DAS CACHENAS




















Temos a tendência de só nos lembrar na morte daqueles que, já em vida, manifestaram a sua grandeza. A par de tecermos loas à coisa estranha passando ao lado daquilo que nos pertence. Vem tudo a propósito de Pedro Homem de Mello por quem ouvi vários intelectuais manifestar desdém quanto à sua forma ( aparentemente afectada e superficial ) de exprimir o seu sentido das coisas e das gentes que o rodeavam. Muitos tão pouco sabiam (sabem) a que é que se referia na sua poesia. Daí o desentendimento. O que não evitava a emissão de juízos acerca de coisas que ultrapassavam a compreensão, a sensibilidade e principalmente o conhecimento dos críticos.
A este menosprezo se referiu Alberto Serpa - O Poeta do Leça - grande amigo de Pedro Homem de Mello, quando a uma afirmação sua de que o Porto era triste e comercial, berço incómodo de tantos Poetas, Frederico Schmidt lhe teria replicado:

" - Seu Serpa! Esse Porto não é comercial nem triste."

Ao que Alberto Serpa lhe dirigiu o seguinte bilhete:

" Este Porto conhece-o bem quem lida
   por estas ruas, mesmo de ar tranquilo

   como o que viste em mim - Se manda a vida ...
   É o mesmo Porto
   que fez figas, mais gestos, ao Camilo
   quando ele passou, morto.
   Diria - falasse nosso irmão Anto ...

   Como troçaram seu verso mais singelo
   o verso em que corria maior pranto.

   Hoje riem-se de mim, do Pedro Homem de Mello

   Seja sempre cruel esta cidade
   Cantem poetas seus até à Eternidade."   

Mas Pedro Homem de Mello nasceu no Porto. Tão bem conhece a Cidade. E envia este abraço a Alberto Serpa

" Aqui neste papel ( a minha carta
   leva um pedaço do meu coração!)
   juro in aeternum - Nada nos aparta.
   Nem o silêncio, nem a escuridão.

Ambos nascemos junto ao mesmo rio
 E vimos, ambos, sempre o mesmo mar
 Por isso o nosso cântico tardio
 Diz que  « sofremos sim mas devagar...»

 Teu nome é Fonte... O meu estrela Morta
 Ao pé de nós, quanta ironia vã!
  Os outros não nos vêem? - Não importa.
  Riem? - Talvez que chorem amanhã."

Mas, Afife, não é cidade e sempre soube manifestar-se reconhecida aos seus maiores. Fê-lo com Pedro Homem de Mello. Fê-lo com a Ofélia das Caxenas.  E perguntarão:

-         Mas quem é a Ofélia das Caxenas? A quem Afife disse adeus agora?


Adeus se diz a muita coisa. Em 1951 Pedro Homem de Mello despediu-se da Poesia com o seu livro ADEUS
































Alberto Serpa não lhe "perdoou" e resolveu dar esta lição ao Poeta.

" Como podes dizer à Poesia um Adeus?
  Que desespero te desvaria?
  Enganos, Pedro, sonhos teus!
  Só a Morte - e talvez - nos livra da Poesia
  Ela é aquela mulher
  Que passa em nossa vida - e nunca passa
  Fica na Alma na carne. A gente quer

  mandá-la embora, qual a uma desgraça
  que nos faz em pedaços
  e nos mata.

  Mas, se nos mostra a face, abrem-se os nossos braços
  a vida dá-se toda sem condições - e grata."

Ora nesse livro ADEUS, Pedro Homem de Mello despede-se assim:

































 - Domingos Enes Pereira era de Montedor - Carreço, da Casa das Bourouas. O FANDANGUEIRO

-  Deolinda da Castelhana é do Lugar de Espantar - São Lourenço da Montaria

-  A Ofélia das Caxenas é aquela que nos disse Adeus ao cair da Noite Grande de S. João d'Arga ( dos aromas de urze e de lama desse hino que é o Povo que Lavas no Rio. Aromas que ela tão bem conhecia). Dorme agora em paz, vizinha do Poeta. A Ofélia das Cachenas que não mais me perguntará como foi o S. João d'Arga.  De qualquer forma este ano não estive lá. O mesmo fogo que a afligiu à morte, me impediu de lá ir. Chorei por causa disso.

        Afife, Setembro de 1987

Foi publicado na A AURORA DO LIMA em 21 de Dezembro de 1988