quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O ADEUS DA OFÉLIA DAS CACHENAS

OFÉLIA DAS CACHENAS




















Temos a tendência de só nos lembrar na morte daqueles que, já em vida, manifestaram a sua grandeza. A par de tecermos loas à coisa estranha passando ao lado daquilo que nos pertence. Vem tudo a propósito de Pedro Homem de Mello por quem ouvi vários intelectuais manifestar desdém quanto à sua forma ( aparentemente afectada e superficial ) de exprimir o seu sentido das coisas e das gentes que o rodeavam. Muitos tão pouco sabiam (sabem) a que é que se referia na sua poesia. Daí o desentendimento. O que não evitava a emissão de juízos acerca de coisas que ultrapassavam a compreensão, a sensibilidade e principalmente o conhecimento dos críticos.
A este menosprezo se referiu Alberto Serpa - O Poeta do Leça - grande amigo de Pedro Homem de Mello, quando a uma afirmação sua de que o Porto era triste e comercial, berço incómodo de tantos Poetas, Frederico Schmidt lhe teria replicado:

" - Seu Serpa! Esse Porto não é comercial nem triste."

Ao que Alberto Serpa lhe dirigiu o seguinte bilhete:

" Este Porto conhece-o bem quem lida
   por estas ruas, mesmo de ar tranquilo

   como o que viste em mim - Se manda a vida ...
   É o mesmo Porto
   que fez figas, mais gestos, ao Camilo
   quando ele passou, morto.
   Diria - falasse nosso irmão Anto ...

   Como troçaram seu verso mais singelo
   o verso em que corria maior pranto.

   Hoje riem-se de mim, do Pedro Homem de Mello

   Seja sempre cruel esta cidade
   Cantem poetas seus até à Eternidade."   

Mas Pedro Homem de Mello nasceu no Porto. Tão bem conhece a Cidade. E envia este abraço a Alberto Serpa

" Aqui neste papel ( a minha carta
   leva um pedaço do meu coração!)
   juro in aeternum - Nada nos aparta.
   Nem o silêncio, nem a escuridão.

Ambos nascemos junto ao mesmo rio
 E vimos, ambos, sempre o mesmo mar
 Por isso o nosso cântico tardio
 Diz que  « sofremos sim mas devagar...»

 Teu nome é Fonte... O meu estrela Morta
 Ao pé de nós, quanta ironia vã!
  Os outros não nos vêem? - Não importa.
  Riem? - Talvez que chorem amanhã."

Mas, Afife, não é cidade e sempre soube manifestar-se reconhecida aos seus maiores. Fê-lo com Pedro Homem de Mello. Fê-lo com a Ofélia das Caxenas.  E perguntarão:

-         Mas quem é a Ofélia das Caxenas? A quem Afife disse adeus agora?


Adeus se diz a muita coisa. Em 1951 Pedro Homem de Mello despediu-se da Poesia com o seu livro ADEUS
































Alberto Serpa não lhe "perdoou" e resolveu dar esta lição ao Poeta.

" Como podes dizer à Poesia um Adeus?
  Que desespero te desvaria?
  Enganos, Pedro, sonhos teus!
  Só a Morte - e talvez - nos livra da Poesia
  Ela é aquela mulher
  Que passa em nossa vida - e nunca passa
  Fica na Alma na carne. A gente quer

  mandá-la embora, qual a uma desgraça
  que nos faz em pedaços
  e nos mata.

  Mas, se nos mostra a face, abrem-se os nossos braços
  a vida dá-se toda sem condições - e grata."

Ora nesse livro ADEUS, Pedro Homem de Mello despede-se assim:

































 - Domingos Enes Pereira era de Montedor - Carreço, da Casa das Bourouas. O FANDANGUEIRO

-  Deolinda da Castelhana é do Lugar de Espantar - São Lourenço da Montaria

-  A Ofélia das Caxenas é aquela que nos disse Adeus ao cair da Noite Grande de S. João d'Arga ( dos aromas de urze e de lama desse hino que é o Povo que Lavas no Rio. Aromas que ela tão bem conhecia). Dorme agora em paz, vizinha do Poeta. A Ofélia das Cachenas que não mais me perguntará como foi o S. João d'Arga.  De qualquer forma este ano não estive lá. O mesmo fogo que a afligiu à morte, me impediu de lá ir. Chorei por causa disso.

        Afife, Setembro de 1987

Foi publicado na A AURORA DO LIMA em 21 de Dezembro de 1988

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