Temos a tendência de só nos lembrar na morte daqueles que, já em vida, manifestaram a sua grandeza. A par de tecermos loas à coisa estranha passando ao lado daquilo que nos pertence. Vem tudo a propósito de Pedro Homem de Mello por quem ouvi vários intelectuais manifestar desdém quanto à sua forma ( aparentemente afectada e superficial ) de exprimir o seu sentido das coisas e das gentes que o rodeavam. Muitos tão pouco sabiam (sabem) a que é que se referia na sua poesia. Daí o desentendimento. O que não evitava a emissão de juízos acerca de coisas que ultrapassavam a compreensão, a sensibilidade e principalmente o conhecimento dos críticos.
A este menosprezo se referiu Alberto Serpa - O Poeta do Leça - grande amigo de Pedro Homem de Mello, quando a uma afirmação sua de que o Porto era triste e comercial, berço incómodo de tantos Poetas, Frederico Schmidt lhe teria replicado:
" - Seu Serpa! Esse Porto não é comercial nem triste."
Ao que Alberto Serpa lhe dirigiu o seguinte bilhete:
" Este Porto conhece-o bem quem lida
por estas ruas, mesmo de ar tranquilo
como o que viste em mim - Se manda a vida ...
É o mesmo Porto
que fez figas, mais gestos, ao Camilo
quando ele passou, morto.
Diria - falasse nosso irmão Anto ...
Como troçaram seu verso mais singelo
o verso em que corria maior pranto.
Hoje riem-se de mim, do Pedro Homem de Mello
Seja sempre cruel esta cidade
Cantem poetas seus até à Eternidade."
Mas Pedro Homem de Mello nasceu no Porto. Tão bem conhece a Cidade. E envia este abraço a Alberto Serpa
" Aqui neste papel ( a minha carta
leva um pedaço do meu coração!)
juro in aeternum - Nada nos aparta.
Nem o silêncio, nem a escuridão.
Ambos nascemos junto ao mesmo rio
E vimos, ambos, sempre o mesmo mar
Por isso o nosso cântico tardio
Diz que « sofremos sim mas devagar...»
Teu nome é Fonte... O meu estrela Morta
Ao pé de nós, quanta ironia vã!
Os outros não nos vêem? - Não importa.
Riem? - Talvez que chorem amanhã."
Mas, Afife, não é cidade e sempre soube manifestar-se reconhecida aos seus maiores. Fê-lo com Pedro Homem de Mello. Fê-lo com a Ofélia das Caxenas. E perguntarão:
- Mas quem é a Ofélia das Caxenas? A quem Afife disse adeus agora?
Alberto Serpa não lhe "perdoou" e resolveu dar esta lição ao Poeta.
" Como podes dizer à Poesia um Adeus?
Que desespero te desvaria?
Enganos, Pedro, sonhos teus!
Só a Morte - e talvez - nos livra da Poesia
Ela é aquela mulher
Que passa em nossa vida - e nunca passa
Fica na Alma na carne. A gente quer
mandá-la embora, qual a uma desgraça
que nos faz em pedaços
e nos mata.
Mas, se nos mostra a face, abrem-se os nossos braços
a vida dá-se toda sem condições - e grata."
- Domingos Enes Pereira era de Montedor - Carreço, da Casa das Bourouas. O FANDANGUEIRO
- Deolinda da Castelhana é do Lugar de Espantar - São Lourenço da Montaria
- A Ofélia das Caxenas é aquela que nos disse Adeus ao cair da Noite Grande de S. João d'Arga ( dos aromas de urze e de lama desse hino que é o Povo que Lavas no Rio. Aromas que ela tão bem conhecia). Dorme agora em paz, vizinha do Poeta. A Ofélia das Cachenas que não mais me perguntará como foi o S. João d'Arga. De qualquer forma este ano não estive lá. O mesmo fogo que a afligiu à morte, me impediu de lá ir. Chorei por causa disso.
Afife, Setembro de 1987
Foi publicado na A AURORA DO LIMA em 21 de Dezembro de 1988
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