Transcrevo aquí o ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO no qual Maria Manuela Couto Viana se despede, numa última e derradeira visita à sua terra e ás suas gentes.
ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO
de Maria Manuela Couto Viana
"O mar de Afife levou-o
E trouxe-o de volta à praia.
Foram três dias de argaço,
Três noites de verde raiva.
Quando o vulto da Estadeia
Se ergueu das bandas de Espanha,
O vento espalhou a angústia
E a lua escondeu a cara.
Em sudário de crespelho
(Cor de sangue e viva brasa)
Jaz o rapaz de veludo
À espera da madrugada.
Sobre o olhar ambarino
Cortinas de longa franja;
Sua boca é uma ferida,
Amarga flor de genciana
- Flor da Senhora das Neves
A da Sagrada Montanha;
Sobre o seu peito redondo
Fio e coração de prata;
O cabelo é palha milha,
Folhelho na desfolhada.
A onda que o embalou
Aconchegado nas algas
Deu-lhe ao corpo de veludo
Um movimento de dança:
A gota de Gondarém
Ou Verde-Gaio de Armada.
Todo o seu corpo macio
Todo o seu corpo macio
Rebrilha como uma chama
Ou espelho de aço fino
Ou espelho de aço fino
Frente ao Sol que se alevanta
Quem vela e chora esse corpo?
Quem o beija? Quem o canta?
Quem é que o acaricia,
Quem é que o acaricia,
Quem sofregamente o enlaça?
Que vulto o círculo mágico
Silenciosamente traça?
Poetas do mar de Afife
Silenciosamente traça?
Poetas do mar de Afife
E fandangueiros das Argas,
Boieiras da verde veiga,
Boieiras da verde veiga,
Resineiros da Estorranha,
De meio-lenço amarelo,
Cachené cor de laranja
E o avental vermelho
Com a saia de vergastada.
Por isso grito: - Presente!
Com a saia de vergastada.
Por isso grito: - Presente!
Como poeta e amada,
Poeta dos mares de Afife,
Amante das noites claras,
A sombra da sua sombra,
Poeta dos mares de Afife,
Amante das noites claras,
A sombra da sua sombra,
A alma da sua alma,
O eco do seu gemido,
O lençol da sua cama.
Viva-morta em mortos-vivos
A responder à chamada
Com o grito da Pieira
De lobos na noite trágica.
De lobos na noite trágica.
Frementes, meus pés desnudos
Pedem terreiro de dança.
Pedem terreiro de dança.
Abraçado à concertina,
O Marco Rocha comanda.
Cantava a encomendação
O Marco Rocha comanda.
Cantava a encomendação
Deolinda da Castelhana,
Enquanto com seus cabelos
Enxugava as minhas lágrimas
E vi que o Nelson de Covas
Já tinha a madeixa branca
Já tinha a madeixa branca
E que o bailador perdera
A sua estranha arrogância;
Que era de velhos e mortos
Essa velada macabra.
Só o rapaz de veludo
Tinha sua face intacta
Brilhando no amanhecer
Como concha nacarada.
Fugi gritando nas brumas,
Fugi gritando nas brumas,
Nas dunas de areia branca.
Em leito de camarinhas
Acordei na manhã alta.
Ai, o rapaz de veludo
Minha noite de Ameaça
O meu punhal de ciúme,
Só não sei se foi o mar,
Se fui eu que o matara"
Toda a Serra d'Arga está aqui. De Cerveira a Ponte de Lima e mais além até S. Lourenço no Beiral. De Gondarém ao Cerquido. Todo o Mar de Afife está aquí. Todas as pedras do mar de Afife estão aqui. Desde Camposancos até Viana. Todos os rapazes de veludo que são exactamente os mesmos do cravo na boca de que fala o Dr. Pedro na sua dedicatória ao Vilarinho. O Vale de Âncora. As idas a S. João. Espantar da Senhora Deolinda da Castelhana. As Chascas de Trazancora e a Procissão de Defuntos. Dem, Terras da Montaria. Marcos Rocha que morreu de morte matada. Maria Manuela Couto Viana ainda deu conta que o tempo tinha passado e que a madeixa do Nelson já era branca e que já tinha perdido aquele jeito desafiador. Todos os herois da obra de Dr. Pedro se encontram aqui. Gente que passaria anónima na vida sem saber porque a vivia não fora o lirismo dos poetas nisso reparar. Elevação essa tantas vezes repartida com Maria Manuela Couto Viana nas mais variadas manifestações. Na poesia, nas récitas. Eu próprio a vi, vestida de Azul, dizendo os versos MINHA TERRA É VIANA na Praça de Argaçosa na apresentação de um Festival da Meadela.
Este Romance do Rapaz de Veludo, poema um tanto ou quanto enigmático, dificilmente será entendido por quem não nasceu nem frequentou neste e este pedaço do Alto Minho. Muito menos por aqueles que defendem, em tese, que o Povo a que o Dr. Pedro se referia nunca existiu!
Nota em 26 de Agosto de 2016.
Reli este texto e nele encontrei uma falha grave. Por omissão!
O rapaz de veludo poderia também ser Francisco Enes Pereira, do Lugar de Montedor, que o sudário de crespelho do mar dos Açores envolveu. Afogado. A quem o Doutor Pedro dedicou um texto que intitulou simplesmente FRANCISCO!
lopesdareosa
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