sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ENTRONCAMENTO. História da vianeta ferroviária

Nos finais dos anos oitenta, no verão, passava umas temporadas no Fundão.
Mais precisamente em Castelo Novo. Nada de mal não fora o facto daquilo na Beira Baixa, nessa época do ano, ser o que para mim seria o cenário de um anúncio ao inferno.
Para mim, minhoto tiritante, era calor de mais e um dia resolvi encurtar as férias e regressar tomando o comboio da Beira Baixa até ao Entroncamento.
Cheguei à cidade fantasma, como eu lhe chamava  (dado que por essas alturas chegava lá pelas seis da manhã), dos tempos do Regimento de Páraquedistas em Tancos, ás nove e tal da tarde. Tinha que esperar pelo comboio vindo de Lisboa para seguir para norte e, como o calor continuava, nada me apetecia comer. Até que acabei por me sentar numa esplanada de um Café-Bar que tinha um cartaz aos gelados Olá a dizer que havia vianeta. Achei a boa a ideia e pedi uma vianeta à miúda que me veio atender.
Estranhei a demora até à surpresa de me trazerem, em primeiro lugar, um talher completo. Prato, faca, garfo e colher. Depois veio a travessa com uma vianeta  descascada. Inteira!
Não me dei por achado, nem por cobarde, até porque estavam uns pândegos a beber cerveja e a comer tremoços na mesa ao lado que decerto não teriam ficado menos surpreendidos que eu. E resolvi dar uma de forte face aos olhares divertidos que eles deitavam à minha mesa e aos comentários que adivinhava estarem a ser feitos acerca da situação. Assim comecei a desfrutar da minha vianeta.
Comi! Comi! Comi! Até que o calor foi mais veloz que a minha vontade e acabou por derreter o resto da vianeta ainda antes de eu a ter acabado. É evidente que depois de cerca de meia hora a lutar com a vianeta fiquei enjoado e cheio de sede com aquele sabor doce ás natas e chocolate. Quem gozava com a paisagem eram os meus amigos da cerveja!
Até que chegou a hora de pagar a conta. Foram duzentos escudos o que não foi mau negócio pois foi por atacado. Se fosse ás fatias teria pago muito mais! Dei uma nota de mil à miúda e esperei pelo troco. Quem me veio dar o troco foi uma senhora de mais idade possivelmente dona do Café. Sempre como se nada de anormal tivesse acontecido e já com o troco na mão acabei por dizer à senhora.

- Minha senhora! Lá comer como eu! Mas que a minha fama tinha chegado ao   Entroncamento é  que eu não sabia!

A Senhora ficou presa ao dito e lá alinhavou.

- O senhor é que pediu!

- Da mesma forma como tenho pedido em muitos outros lugares.
  O que nunca me serviram foi uma  vianeta inteira!

Bem! Os meus amigos da cerveja, que já tinham uma dúzia delas abatida, rebolaram-se nas cadeiras com as gargalhadas que deram. Tiveram tanta pena de mim que me convidaram para beber uma cerveja. Desculpei-me que tinha que apanhar o comboio e fui dali a outro café beber uma garrafa de água gelada. Para cortar!
Passei o resto da viagem a pensar na cena. Eu! Sozinho!! No Entroncamento!!! A comer uma vianeta inteira!!!!

- Só a mim!!!!!
E que seria uma boa história para contar aos amigos.
De facto! Assim tem acontecido.

Tone do Moleiro Novo

NOTA
Já repararam que a autoria vai variando com os acontecimentos?
O Fernando Pessoa tinha heterónimos, cada um com identidade própria, que iam interpretando a realidade segundo ideossincrasias perfeitamente individualizadas e personalizadas pelo autor.
Aqui tratam-se de heterónimos ao avesso. Ou seja, aqui o ortónimo são os acontecimentos que vão definindo a qual de mim é que são dirigidos.
Difícil entender?
Por exemplo:
- Quando uma mulher afirma que morre por mim, é ao Tone Lopes lorpa que o garante.
- Quando minha mãe me diz alguma coisa é ao António inteligente que se dirige.
-  Quando o Cavaco Silva fala à nação, o cidadão Barros Lopes passa a burro.
- Quando toca a pagar os impostos, tanto faz que seja o Tone Lopes lorpa ou o Barros Lopes burro!
Não sei se estão a ver a coisa!
Assim, António Alves Barros Lopes, Lopesdareosa, Barros Lopes, Alves Barros (como sou conhecido na Catalunha e País Basco), Tone Lopes, Tone do Moleiro Novo, ou simplesmente o António ou o Lopes, são a mesma pessoa. Depende das circunstâncias. O Tone do Moleiro Novo é quando me acontecem  situações como o do Entroncamento!
( Sem qualquer ofensa para as suas gentes tanto menos que, na ocasião, os presentes, vieram piedosamente em meu socorro)

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