O Quadro de Lanhelas
Este texto bem poderia ser intitulado TESTA ALTA E VIVA LANHELAS, pois este é o "grito de guerra" dos de Lanhelas.
Muito ao estilo do de Riba de Mouro PÁ FRENTE QUE RIBA DE MOURO É MACHO!
Mas vou aproveitar o título que um de Areosa deu a um seu texto já de 1930.
Acontece que no passado dia 23 de Abril de 2024 se celebrou um aniversário "redondo" de uma outra data, 23 de Abril de 1644, dia em que os de Lanhelas (e as de Lanhelas) rechaçaram um invasão, mais Galega que outra coisa! Desse acontecimento houve alguém que o retratou. Como a fotografia veio muito mais tarde, pintou. E o quadro é o chamado e pouco divulgado "Quadro de Lanhelas". Que aqui vai!
Cheguei a ele nos idos anos 70 pela informação de alguém que me conduziu à Igreja de Lanhelas e mo mostrou. Isto porque estranhei o Cruzeiro da Independência sobranceiro a Lanhelas, coisa que nunca tinha visto em outras freguesias. E então a história foi-me contada.
Só mais tarde e graças ao António Viana é que tive conhecimento que muito antes já o também Areosense, seu tio, Abel Viana, a este quadro se tinha referido. De facto tinha feito um relato detalhado numa sua publicação de 1930.
Notas históricas, arqueológicas e etnográficas do Alto Minho.
Isto porque Abel Viana, professor na escola primária, tinha chegado a Lanhelas nessa qualidade e depressa na sua curiosidade se deu conta deste testemunho e da sua importância no contexto histórico dos acontecimentos.
E o seu relato, por vezes hilariante, detalha, o sucedido perfeitamente e documentado.
Teria havido um antecedente em que alguns pescadores de Lanhelas tinham sido feitos prisioneiros por andarem a pescar já em águas Galegas. Terão sido levados para a Guarda onde foram interrogados.
Uma questão que os nosso vizinhos lhes puseram era saber como poderiam invadir na zona de Lanhelas. Ao que os pescadores lhes teriam dito que para o fazer com sucesso teriam que levar quatro “filipinos” para cada lanhelense.
E o certo é que a 23 de Abril de 1644, numa “armada” de 28 barcos, atravessaram o Minho e tentaram “invadir” Lanhelas ali perto da Morraceira, com cerca de 600 homens(!) sob o comando de um tal Capitão Toro. Este cometeu dois erros decisivos: Primeiro, terá saltado para terra adiantado a seus homens o que permitiu ser apanhado à mão sem defesa. O segundo, foi ter enfrentado um tal António Macedo conhecido pelo “Catrôlho” que na altura andaria a lavrar a veiga com outros seus conterrâneos. Na sua audácia o tal Toro terá exclamado “Capitão Toro em terra”. A que o Catrollo, deitando-lhe a mão, terá retorquido “Capitão Toro captivo”. O certo é que os de Lanhelas se bateram de tal ordem que puseram em fuga os invasores, estes imediatamente diminuídos na sua força por verem a sua chefia aprisionada pelos de Lanhelas.
No final a contabilidade do destroço foi de dez galegos e quatro Lanhelenses mortos. Muitos feridos com alguns Galegos afogados e os restantes em debandada No meio e fim da refrega dois episódios picarescos ficaram para a história. O Catrolho terá ido a casa vestir a sua farda de Capitão das milícias em Lanhelas e à vista deste, o tal Toro terá desabafado “lo que mas sentia era quedar prisioneiro de unos villanos” não reparando que o agora “militar” fora o labrego que lhe deitara a mão. O outro episódio decorreu de os de Lanhelas quando avistaram os invasores enviaram estafetas a Sôpo e a Vilar de Mouros à procura de auxílio. Provavelmente chegaram já com a contenda resolvida ou em vias disso. O certo é que não se livraram de serem acusados de cobardia por não se terem envolvido na escaramuça. A consequência disso foi os e de Lanhelas terem proibido casamentos com os de Sôpo e com os de Vilar de Mouros inclusivamente impedindo-os de entrar na Igreja de Lanhelas.
Outra faceta da “lenda” foi a queixa dos invasores de que ao enfrentaram os de Lanhelas, as mulheres foram piores de os homens.
Bom, o melhor será ler o relato de Abel Viana que teve o cuidado de se deslocar a Goyan na tentativa de saber a versão dos do lado de lá. E encontrou um relato que lhe foi facultado pelo médico de Goyan, D. Francisco Rodriguez Nóvoa que confirmava esses acontecimentos.
Penso ser este quadro peça única em Portugal relatando acontecimentos locais “acontecidos” durante a guerra da Independência que se seguiu a 1640. Daí a sua importância histórica pouco relevada pelos nossos contadores encartados.
Se o mui informado Hermano Saraiva, no programa dedicado a Caminha, em vez, tivesse ido a Lanhelas contar a história deste quadro teria evitado a pouco abonatória figura que fez em São João d’Arga ao afirmar no adro da Capela que fora alí mesmo que o Aginha fôra morto.
Quanto aos de Lanhelas, na sua valentia e agressividade, que não as perderam, acabaram por se adaptar aos tempos. Porque bem melhor, passaram a concentrar o excesso hormonal para combates bem mais suaves.
E já ouvi por aquelas bandas uma versão actual do velho lema.
Aqui vai.
TESTA ALTA E VIVA LANHELAS
MOÇAS BONITAS CAMA COM ELAS
Nota: Este texto é dedicado ao João de Deus Eiras Rosa, amigo desde ao meus dez anos,
idade com que comecei a partilhar os bancos da Escola Industrial e Comercial de Viana do
Castelo.
Areosa, 27 de Abril de 2024
António Alves Barros Lopes
E Publicado na A AURORA DO LIMA nº16, ano de 169 na Edição de 16 de Maio de 2024
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