terça-feira, 13 de março de 2012

VEIGAS E LEIRAS

Veigas e Leiras

O Lugar de Castanheira
tem leirinhas ao correr
É terra de muitas cabras
Algum bode deve haver

      Não se assustem os meus amigos de Castanheira por citar tal quadra que a ouvi ao Desidério no Adro de S. João.

        É que a intenção é chamar a atenção que o Lugar de Castanheira tem leirinhas ao correr conforme fala a quadra. E esta não diz que o Lugar de Castanheira tem latifúndios a perder de vista, primeiro porque isso não seria possível e depois não seria fácil enquadrar o verso numa das tais que se visse.
         O meu amigo Antero Sampaio publicou , em 20 de Fevereiro último, no FOZ DO LIMA de toda a gente – responsabilidade do também meu amigo Porfírio Silva – um texto sobre “Modos, usos e costumes na veiga litoral vianense.”  Peço a necessária condescendência  destes para ter a oportunidade de fazer, sobre esse, uma observação e um esclarecimento.
        A dada altura, Antero Sampaio, escreve que “Darque e Monserrate não se viraram para a veiga, relacionando-se mais com o rio (caso de Darque) e com o mar através dos pescadores da Ribeira (caso de Monserrate).”
         Ora Darque, rural, sempre esteve virada para a veiga. Não fosse a terra da cebola. A diferença é que a veiga de Darque confinava com o rio e não com o mar. Quanto a Monserrate, nascida e criada dentro da Vila de Viana, teria sempre como destino a sua própria origem - ser urbana e não rural e, dentro dela, os quintais, lugares e outros terrenos de cultivo teriam sempre o seu destino arredado da lavoura. E as veigas que nos chegaram como situadas no distrito de Monserrate, por uma estranha divisa administrativa nunca justificada, afinal eram veigas, dadas como campina de Areosa pelas Memórias Paroquiais do século dezoito, cujas leiras eram cultivadas na sua esmagadora maioria por lavradores de Areosa, que, das quais e em larga maioria, também  eram proprietários.
        No seguimento Antero Sampaio escreve que “Os Campos, geralmente delimitados por muros, são de pequenas dimensões ( por causa do constante processo de divisão, provocado pela transmissão hereditária).”
         Em primeiro lugar nas veigas de Areosa, Carreço e Afife poucos eram os campos delimitados por muros. Estes, na sua maioria, ainda conservam os seus  muros, mesmo depois das obras do Emparcelamento. As leiras, dentro das diversas veigas, eram delimitadas por marcos. As veigas geralmente eram bordadas por valados, testeiras e cabedulhos onde normalmente se amontoavam as pedras retiradas do seu miolo no processo de arroteamento.
        Em segundo lugar não foi por causa das transmissões hereditárias que a propriedade nos chegou de pequenas dimensões. Esse fenómeno tem como base a própria qualidade dos terrenos da nossa veiga. Se fossem de baixa capacidade produtiva não valeria a pena dividi-los tanto. Esta divisão tem a ver com o aparecimento das diversas povoações e seu crescimento através dos tempos.
        Os primeiros povoadores, porque isolados, tinham a necessidade de, cada um, ter de tudo um pouco.  Assim começaram por arrotear pedaços de terrenos em diversas áreas de características diferentes. Uma leira em terreno lento, outra em terrenos intermédios, outra em terreno seco,  justificando-se o aparecimento de uma agricultura estranhamente  denominada de subsistência e a que eu chamo de diversificada.
        Por outro lado, fácil é imaginar que as veigas não apareceram arroteadas em toda a sua extensão e de repente. À medida que as populações cresciam era necessário mais terra para produzir mais alimentos. Nessa altura por iniciativa própria, súplica ou demanda das populações, a entidade tutelar da terra - a Paróquia, a Sé, o Convento, o Mosteiro, o Senhor Feudal, Comendador, Morgadio, o Rei, - dava permissão a que fosse arroteada mais terra. Nascia assim mais uma veiga e esta era dividida por quantos fogos existissem à data na respectiva povoação, de uma forma mais ou menos equitativa ou então proporcionalmente à dimensão da cada  casa de lavoura. Tempo passado que correspondesse a outro aumento significativo de população o processo repetia-se. Assim a grande veiga nos chegou dividida em veigas mais pequenas e estas divididas em leiras.
     Em Areosa e à minha volta - em Além do Rio -  chegaram as veigas do Salgueiral, do Fial, dos Ôlhos, da Maganhão, da Lobagada, Veiguinha, Vilar, Talinhos, Convido, Gandaral, Bouça, Campo das Rãos, Sua Vila, Tracido, Conduminhas, Bouça d'Impaio, Covelo, Campos Lindos que deu Campelinhos. 
     Este processo não é único. Na Idade Média foi utilizado em toda a Europa Ocidental. Na Inglaterra chamam-lhe o Sistema Manorial ou seja O Lord of the Manor, que poderia ser traduzido como o Senhor do Couto, dividia as suas veigas pelos habitantes de um determinado lugar. Desse sistema a Enciclopédia Britânica The New Caxton Encyclopedia de 1972 exibe um diagrama elucidativo.

      Havia a Igreja,  o Prior, O Roger do moinho, a viúva Wamba, o Gurth, o Higg, o Hobb criador de porcos, o Asser, o Ferreiro Offa, o Snell, o Troll o Pigg , o Moleiro Elfric, Thurstan o francês, e em cada veiga cada um deles tinha  a sua leira ou diversas. O diagrama tem uma nota curiosa, em cima à direita - "O espaço necessita de uma grande redução no número de tiras de terreno no mapa. Cada homem deveria ter cinco vezes mais o número indicado.". (Na NET há muitos mais exemplos).
     O diagrama apresenta uma diferença em relação à nossa realidade. É que nem todas as veigas eram cultivadas. Havia algumas deixadas em pousio e ao pastoreio, o que significava que havia rotatividade no seu cultivo, testemunhada no próprio documento. E sempre que uma veiga em pousio passava a ser  cultivada, era dividida de novo e da mesma forma anterior. Isto só pode significar que a qualidade dos terrenos lá, não era a mesma da dos de cá. Nunca ouvi falar em pousio nas veigas de Areosa, Carreço e Afife. Quanto muito deixar alguma leira em descanso. Sei isso sim das enormes  quantidades de estrume e argaço aliadas aos lençóis freáticos que permitiam a prática de uma lavoura intensiva que chegava a tirar três culturas por anos no mesmo terreno.
     E se dúvidas houvesse quanto a este sistema de  divisão da propriedade socorro-me de um exemplo de que nós próprios fomos contemporâneos. No Século dezanove os de Areosa dividiram uma partilha do monte comum em 180 sortes atribuindo cada uma delas as outras tantas casas de lavoura existentes à data. Sessenta anos depois e já em 1920 dividiu outra partilha de monte comum e desta feita em 408 (!) sortes distribuindo-as por, mais ou menos, outras tantas casas de lavoura. Do incremento da divisão se pode concluir do aumento da população assim como da diminuição da largura de cada sorte a que, detalhe interessante, os de Areosa ainda lhe chamaram de GLEBA.
     
       Voltando ao arroteamento das veigas estas eram definidas por uma certa uniformidade de qualidade. Se uma veiga fosse em terreno lento e aí esta qualidade se estendesse por uma pequena  área daria origem a uma pequena veiga. Quanto mais pequena fosse a veiga a dividir e mais habitantes por quem dividir, mais pequenas seriam as leiras resultantes. Isto nada tem a ver com heranças. Estas se alguma vez conduziram a uma subdivisão e sei de casos, apresentam-se de uma forma posterior e pouco significativa em relação á principal razão do fraccionamento. A tradição tinha uma maneira de dar a volta ao assunto.  Quando um quinhão era desequilibrado davam-se tornas.

       Com os meus cumprimentos ao meu amigo Antero e a todos os outros que, sobre o mito da divisão da propriedade por via das heranças e nas veigas de Areosa, Carreço e Afife, já anteriormente tenham manifestado a mesma opinião. 

António Alves Barros Lopes

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