Também
poderia ser “PARA ONDE VÃO AS VACAS”
Havia na aldeia um fogueteiro. A oficina situava-se numa
bouça a meia encosta e convenientemente afastada do casario. Pouco a pouco, à
sua volta, foram sendo construídas algumas habitações seguidas de outras
tantas. Ás tantas, o fogueteiro ficou completamente rodeado de casas. – Quem
teve de sair do local? - O fogueteiro,
como é evidente!
Tudo isto porque assisti na última sexta-feira, na
Cooperativa Agrícola, a uma reunião onde se falou na necessidade de transferir
as vacas de Afife, Carreço e Areosa, do meio das áreas habitacionais para o
meio das veigas respectivas. Isto porque tendo saído legislação no sentido de
obrigar as vacarias a serem legalizadas, muitas, ou algumas, não o poderiam ser
por estarem precisamente situadas no meio das áreas habitacionais. Assim
haveria que estudar áreas a poente da EN13 adequadas a receber construções de
acolhimento alternativo.
Aqui coloca-se uma questão. Nunca até hoje alguém se lembrou
de construir estábulos no meio da veiga. Há coisa de trinta anos, Areosa,
Carreço e Afife continham dentro das áreas habitadas um enxame de estábulos com
vacas. E se os nossos avós, pais ou visavós tivessem passado para as veigas os
eidos que tinham dentro de casa, a veiga de Areosa teria cerca de duzentos
barracões, Carreço cento e cinquenta e Afife cerca de cem, com a consequente
construção de habitações para quem cuidasse dos animais. Ora isso não aconteceu
e por isso a veiga chegou até nós numa das maiores manchas contínuas de terreno
arável do Alto Minho.
Agora coloca-se a possibilidade da solução de construir nas
veigas como alternativa para a localização de infra-estruturas que deveriam
estar localizadas nas áreas construíveis das freguesias e não em cima de
terreno arável. – E sabem porquê? –
Porque a entidade, a CMVC, de quem depende
agora o possível chumbo de instalações pecuárias no meio das áreas onde se
deveriam localizar – na plataforma vocacionada naturalmente para ser
artificializada, não previu nem zonou aí, no PDM, qualquer espaço reservado à instalação
de equipamentos de apoio à agricultura saber; parqueamento de animais,
parqueamento de máquinas, parqueamento da produção. E agora a solução é
construir em áreas que chegaram intactas até nós porque nunca o foram
utilizadas para tal.
Há tempos saiu a notícia de que Mário de Almeida, Presidente
então da Câmara de Vila do Conde, não sabia o que fazer a cento e quarenta
vacas, dado uma vacaria ter sido alvo de uma decisão judicial para ser
demolida. Mandei uma mensagem à Câmara de Vila do Conde assumindo que eu sabia
a solução. – Que Mário de Almeida as transferisse para as áreas previstas no
PDM de Vila do Conde para a localização das tais estruturas de que falei.
Mas acrescentei “ ás
tantas não existem da mesma forma que não existem noutros PDM’s do meu
conhecimento”VER http://lopesdareosa.blogspot.pt/2012/11/para-onde-vao-as-vacas.html
Ou seja, os PDM’s que incidem sobre um território eminentemente rural não prevêem áreas para a instalação de estruturas de apoio a essa ruralidade e em áreas para tal vocacionadas. Nunca percebi porquê. Até que, recentemente, houve uma revisão ao regulamento do PDM. Dada a lacuna existente propus que ela fosse suprida no regulamento a aprovar. Sabem qual foi a resposta? – Que os PDMs não teriam esse objectivo (cito de cabeça).
Intrigado
por tal informação e dado que os PDMs incidem sobre áreas concelhias eminente e
maioritariamente rurais onde são naturais e endógenas as actividades agrícolas,
fui consultar a legislação tutelar e esbarrei com o Decreto Lei 69/90, de 2 de
Março.
Artigo 5.º - Princípios e objectivos gerais
(dos PDMs)
Nº 1 - A
elaboração, aprovação e execução dos planos municipais são operadas por forma a
garantir os seguintes princípios: Alínea c) “A compatibilização da protecção e valorização das áreas agrícolas e florestais e do património natural e edificado, com a previsão de zonas destinadas a habitação, indústria e serviços;”
Zonas destinadas a habitação, indústria e serviços. Zonas de apoio à actividade agrícola nada! Agricultura
nada! O que não deixa de ser surpreendente!
Mas talvez não. Quem promulgou a lei foi Mário Soares; urbano, citadino,
alfacinha – não percebia nada disto e ainda por cima se viria a revelar
nos tempos que correm, perigoso esquerdista. Mas sabem quem era o Primeiro
Ministro?
-
Anibal António Cavaco Silva! (a) O tal que, sendo do Poço de Boliqueime, nunca
tinha dúvidas e raramente se enganava. Mas só recentemente descobriu que nos
tínhamos que voltar para a agricultura!
Assim aconteceu em Areosa, Carreço, e Afife. Freguesias
rurais com vacas por todo o lado. Espaços para as arrumar nunca constaram no
PDM. Mas as áreas onde deveriam ser localizadas foram hipotecadas ao betão e
cimento armado e aos apetites do imobiliário. Exemplo flagrante é o da Quinta
do Lima, do Louvado ou da crismada Quinta das Camélias. Muros altos, uma tapada
enorme, tanque com água de mina, Casa Mãe e anexos! Era uma quinta. – Foi reservada para fins
agrícolas?
Tanto essa como muitas outras; urbanização da Quinta Disto,
Urbanização da Quinta Daquilo e etc.
Vão lá ver os bunkers de betão nu, virados a ocidente à
espera da invasão dos americanos.
Ou seja – Havia eidos e estriqueiras, rodearam-nas de gente
de nariz delicado, quem tem que sair são as vacas. É o chamado síndrome das
vacas. (Criação semântica da minha lavra. Não se esqueçam!)
Mesmo assim não entendo tanta preocupação e tanto estudo para
achar localizações para a instalação de estruturas de recolha de gado no meio
da veiga. Em Carreço sobram ainda áreas que podem acolher essas estruturas sem
recorrer ao sacrifício de terrenos agrícolas. Em Afife também. E em Areosa não
são tantas como isso e o espaço onde estão instaladas aguentam perfeitamente.
Mesmo assim não compreendo tanta preocupação técnico-administrativa para
construir essas estruturas na Veiga. Aos lavradores que assim o entendessem
bastaria construir essas instalações nas mesmas condições, e com os mesmos
perfis, em que aparecerem, p.e. o
matadouro dos frangos ou as estufas. As áreas ocupadas pelas estruturas destas,
chegariam e sobrariam para recolher o contingente de gado de Afife, Carreço e
Areosa. E não consta que tivessem sido objecto de tantos pruridos!
Voltemos ao subtítulo PARA ONDE VÃO AS VACAS?
Recentemente chegou ao meu conhecimento um acórdão
do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou uma sentença em primeira
instância que tinha condenado o dono de uma vacaria a remover os animais
bovinos da exploração, a desactivar a fossa séptica onde eram depositados os
chorumes produzidos pelos animais bovinos e abster-se da prática de actos
tendentes à reactivação da exploração por si ou por interposta pessoa e de pagar
uma certa quantia por danos não patrimoniais a quem apresentou a queixa em
tribuna. Dado que, tendo construído uma vivenda numa aldeia do nosso concelho
ao lado de uma casa de lavoura, esta tinha vacas que, vejam lá, cagavam,
mijavam, cheiravam a vacas, pariam e berregavam.
Acontece que os tribunais
decidem onde não pode haver vacas. Mas não têm qualquer obrigação de solucionar
as situações. Isso será com os municípios ( e o MA). Mas estes nunca equacionaram
estruturalmente a problemática como demonstrei. Na presença de um qualquer
burguês para onde vão as vacas? Para qualquer outro lugar longe deste. E se nas
novas cercanias aparecer outro burguês? – As vacas vão para Marte!
Mas haja esperança para os labregos que ainda resistem por essas aldeias fora. Da leitura desse tal acórdão sintetiza-se que:
I – À emissão de maus cheiros e
à produção de ruídos que afectem substancialmente o uso e fruição da casa de
habitação, provindo de prédio vizinho, pode opor-se o proprietário dessa casa
de habitação.
II – Tal ‘prejuízo substancial’
é apreciado objectivamente, atendendo-se à natureza e finalidade do prédio.
III – A defesa dos direitos de personalidade, como o direito à saúde, à integridade física, ao conforto, a um ambiente sadio e
ecologicamente equilibrado, prevalece, em caso de colisão, sobre a tutela do
direito ao exercício de uma actividade laboral, de natureza agrícola.
Esse mesmo labrego, estando no seu ADN o convívio com as vacas, terá essa “idiossincrasia” indissociável à sua personalidade, a que tem direito e o direito de a defender.
Já são dois direitos de personalidade. Mas há um terceiro
direito a que o labrego tem direito, segundo este acórdão, mesmo que hierarquicamente
inferior aos dois primeiros. É o direito ao exercício de uma actividade
laboral, de natureza agrícola. E o burguês não tem esse direito pois ser
burguês não é profissão nem tão pouco de natureza agrícola. Ser burguês é um
estado de alma que, ás vezes, conduz à palermice.
Ou seja, numa futura altercação judicial entre um labrego com
vacas e um vizinho burguês, este só tem um direito e o labrego tem três. Se o
caso chegar a uma estância superior ganha o labrego! E, revertendo, este pode
invocar que o burguês lhe mete nojo e quem descola é o burguês!
Se assim não for o melhor é decretar o fim da ruralidade para
não haver casos conflituosos!
(a) - Algarvio a quem não lhe cabia qualquer dúvida
por falta de espaço intelectual.
lopesdareosa
- Novembro de 2015
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