Já que estamos em maré de Vallenato, agora, com a Net, há informação que chegue. No entanto certos pormenores são tanto mais surpreendentes quanto se pode conjugar essa mesma informação.
Vallenato vem de Valldupar uma cidade Colombiana na Província de César nas fraldas da Serra Nevada tendo a Oeste o Mar Caribe e a Este o lago de Maracaibo e o golfo da Venezuela. E já surpreendente é o facto de por lá terem adoptado o acordion diatónico exactamente da mesma forma que nós adoptamos a concertina que, para nós, é a mesma coisa. Mal acomparado poder-se-ía dizer que Valledupar é a Ponte de Lima lá do sítio. E lá nasceu um tipo de música a que chamam Vallenato. É um símbolo Colombiano. É tão importante que todos os anos se realiza, nos fins de Abril, um Festival de Música Vallenata onde se enfrentam os melhores acordeoneros.
Eles próprios dizem AQUI NASCEM LAS CANCIONES.
Tocadores, accordeoneros, pelas festas e romarias e outras parrandas entram em despique tanto na música como no canto. Cultivam o "desafio" a que chamam "Piquerias". Todo esse ambiente campesino está tão arreigado que de uma autêntica cultura se trata. E o confronto e a procura da excelência entrou na lenda e contam que um dia um tal Francisco "El hombre" tocador exímio e melhor cantador, enfrentou o próprio diabo que numa noite quis competir com ele na melhor música, na melhor canção. E Francisco "El hombre" levou a melhor sobre o diabo cantando o credo ao revés. É espantosa a semelhamça com a o "imaginário" da nossa tradição pois que os nossos cantadores ao desafio enfrentam sempre um parceiro, talvez o diabo, que tenta levar-lhes a palma. No que o nosso herói sabe trocar as voltas ao dito cujo e ficar por cima. Tantas vezes ví isso acontecer com o Delfim.
Ora a lenda de Francisco "El Hombre" está tão no cerne daquela gente que o próprio Gabriel Garcia Marques a ela se referiu no seu "Cem anos de Solidão".
Simbolizando todos os acordeonero tem a figura no entanto correspondência a alguma factualidade dado que muitos a identificam com personagens reais como Francisco Mascote ou principalmente com Francisco Rada, este, que teria sido um dos primeiros acordeoneros nos primórdios do aparecimento deste estilo de música.
Os tempos foram passando e a figura do tocador foi-se enraizando nesse ambiente rural. E lá como cá foram surgindo os grandes tocadores e cantadores, ídolos de todos os zés das pinguinhas locais. Até que por volta de 1938 se enfrentavam por aquelas bandas dois "mestres" nessas artes. Um chamava-se Emiliano Zuleta, o outro Lourenço Morales. Qualquer coisa parecida com o velho Cachadinha e o Nelson de Covas. Certo dia, em Urumita, na festa lá do sítio, deveria aparecer o tal Lourenço Morales como era costume. No entanto este ao saber que lá estaria Emiliano Zuleta deu uma desculpa esfarrapara e não apareceu na festa.
( A verdade dos acontecimentos não é esta e está contada pelos próprios no último vídeo deste texto.)
Emiliano Zuleta compôs então a "Gota Fria" tema espantoso que fazendo metáfora com o fenómeno metereológico e castigo de criminosos, retratou de tal maneira o comportamento de Morales que se tornou, aliado a uma música inconfundível, como que um segundo hino da Colômbia e vai assim:
que estuviste en Urumita y no quisiste hacer parranda
Te fuiste de mañanita sería de la misma rabia
Te fuiste de mañanita sería de la misma rabia
En mis notas soy extenso
a mi nadie me corrige
En mis notas soy extenso
a mi nadie me corrige
para tocar con Lorenzo
mañana sábado, dia de la Virgen
para tocar con Lorenzo
mañana sábado, dia de la Virgen
Me lleva él o me lo llevo yo
pa' que se acabe la vaina
Me lleva él o me lo llevo yo
pa' que se acabe la vaina
Ay ! Morales a mi no me lleva
porque no me da la gana
Moralito a mi no me lleva
porque no me da la gana
Que cultura, que cultura va a tener
un indio chumeca como Lorenzo Morales
que cultura va a tener
si nació en los cardonales
que cultura va a tener
si nació en los cardonales
Me lleva él o me lo llevo yo...
Morales mienta a mi mama
solamente pa' ofender;
Morales mienta a mi mama
solamente pa' ofender,
para que él también se ofenda,
... ahora le miento la de él,
para que él también se ofenda,
... ahora le miento la de él.
Me lleva él o me lo llevo yo...
Yo tengo un recado grosero
para Lorenzo Miguel
Yo tengo un recado grosero
para Lorenzo Miguel
que él me trató de embustero a mi
si más embustero es él
que él me trató de embustero
si más embustero es él
Hey jefa eso me lo llevo
pa' que se acabe la vaina
me lleva él o me lo llevo yo
pa' que se acabe la vaina
Ay ! Morales a mi no me lleva
porque no me da la gana
Moralito a mi no me lleva
porque no me da la gana
Me le dicen me le dicen a Morales
que estuviste en Urumita y nada hubo
por eso es que a mi me dicen
que fue miedo que me tuvo
como que lo puyé duro
cuando tuvo que salirse
Me le dice me le dicen a Morales
que abandone el acordeón por siete meses
que Emiliano lo abandona un año largo
y conmigo Moralito pierde siempre
y lo digo alante de la gente
pa´que se ponga más bravo
Moralito, Moralito se creia
que él a mi, que él a mi me iba a ganar
y cuando me oyó tocar
le cayo la gota fría,
y cuando me oyó cantar
le cayo la gota fría.
al cabo él la compartía
y el tiro le salió mal
al cabo él la compartía
el tiro le salió mal ...
Depois dessa epopeia o tema teve um sucesso de tal ordem que, durante dezenas de anos foi cantado e gravado por outras tantas dezenas de intérpretes. Mesmo aquí em Portugal, quando na rua encontrávamos aqueles grupos andinos era certo e sabido de tocariam o GOTA FRIA. Ouvi esse tema nas ruas de Viana e no Porto.
Até que em 1993, Carlos Vives, um meio baladeiro/meio roqueiro e actor de telenovelas, lançou um CD intitulado "Clássicos da Província" interpretando entre outros temas de diversos acordeoneros Vallenatos, uma versão estilizada da GOTA FRIA que fez sucesso nas discotecas de todo o mundo.
O próprio Júlio Eglésias tem uma versão do tema que não passa de um decalque da de Carlos Vives.
E agora vem o tal milagre do you tube.
É que alguém lá colocou o próprio EMILIANO ZULETA a tocar a sua GOTA FRIA
http://www.youtube.com/watch?v=zsobg5OqQJo
Mas mais espantoso ainda é que mais recentemente alguém promoveu um encontro entre Zuleta e Morales deixando o mesmo para a posteridade num documento tanto histórico como comovente. Emiliano Zuleta morreu em 2005. Lourenço Morales, este ano em Agosto
http://www.youtube.com/watch?v=G4iJnAJTGgY&feature=relatedPor fim e para quem se dê à pachorra, é reparar como estes dois tocavam el acordeon. Muito longe do sofisticado das versões comerciais mas num estilo inimitável porque único.
Outra preciosidade!
A história da GOTA FRIA contada pelos próprios intervenientes. Pormenor inimaginável. Testemunham que se deslocavam em animales ou seja de burro e o próprio vídeo mostra um exemplo.
Igual aos tempos em que o Nelson de Covas se deslocava na sua jóquina sempre tocando!
http://www.youtube.com/watch?v=CtWVpEMe7vg&feature=related
LOPESDAREOSA
(Com um grande abraço ao António Rivas Padilla que me abriu os olhos para o Vallenato. Também para todo os acordeoneros colombianos que possam ler estas linhas com a promessa de que, um dia, irei ás festas da Virgem do Rosário)
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