sexta-feira, 12 de novembro de 2010

POESIA NA JUSTIÇA

Ou pelo menos versalhada.
Razão tinha o outro em dizer que havia vida para além do déficit.
Há vida poética para além da Dura Lex.
Comprar o Expresso tem destas coisas. Com é um semanário que se vende ao quilo tem também quilómetros de leitura pelo que só hoje dei conta de um título publicado já em 23 de Outubro passado,
pg. 19. "Procurador rimou e a juíza não perdoou".

Assim o Procurador, José Vaz Correia, chegando atrasado ao Tribunal Cível de Lisboa, a um julgamento de um caso banal, justificou, em versos, esse atraso solicitando que a epopeia ficasse em acta. A Juíza Catarina Pires é que não condescendeu com os dotes camonianos ( no mínimo bocagianos) do procurador e fez uma participação disciplinar no Conselho Superior do Ministério Público.

Algumas das quadras são transcritas:

Os comboios já vão cheios                     Vejo brancos e pretos                    
muitos se levantam cedo                        nacionais e estrangeiros   
nas mulheres aprecio os seios              alguns vivem em ghetos     
mas têm outro enredo                              outros em lugares foleiros           


                  Adoro levantar cedo                                                       São sete e pouco da manhã
                            a ter a obrigação cumprida                                            viajo de metro para o trabalho
                            dos falsos tenho medo                                                 fi-lo ontem farei-o amanhã
                            são o pior que há na vida                                             só sou aquilo que valho                  

Aqui só um reparo. Aquela do farei-o é que não me parece de um procurador. Mas não sei qual será o problema da justificação ser em verso. Poderia dizer exactamente a mesma e prosaica coisa como seja:

Muitos se levantam cedo como eu, que adoro fazê-lo. Fi-lo ontem e fa-lo-ei amanhã, mas hoje o raio do despertador não tocou. Apesar de ter saído ás sete e pouco da manhã, a essa hora os comboios já vão cheios. Distraio-me e atrazo-me. Viajo de metro para o trabalho pelo caminho vejo brancos e pretos nacionais e estrangeiros mas só dos falsos tenho medo.  Alguns vivem em ghetos outros em lugares foleiros que é quase a mesma coisa. Mas eu só sou aquilo que valho por isso concentro-me mais nas mulheres pois têm outro enredo. Aprecio-lhes os seios. Distraio-me e essa distracção impede-me de ter a obrigação cumprida. Atraso-me e os atrasos na vida são o pior que há . Disso me penitencio agora.

e ditar para a acta. Duvido que houvesse alguma participação por tal.
Ou seja, se o Cirano de Bergerac fosse depor a tal tribunal iria para as masmorras de véspera.

De qualquer forma, se em vez do Tribunal o nosso procurador frequentasse as Feiras Novas de Ponte, faria sucesso entre os cantadores ao desafio.

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