segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

SANTA COMPAÑA, ESTADEA, PROCISSÃO DE DEFUNTOS

Encontrei a palavra Estadeia  num texto sagrado da nossa Maria Manuela Couto Viana  O ROMANCE DO RAPAZ DE VELUDO no verso “Quando o vulto da Estadeia se ergueu das bandas da Espanha”
Não sabendo identificar a tal Estadeia socorri-me dos nossos amigos galegos para chegar à conclusão que se tratava da Estadea ou Santa Compaña. Ou seja, aquilo a que chamamos de Procissão dos Defuntos ou das almas penadas que vagueavam no mundo à espera de que alguém, rezando por elas, as ajudassem a transpor as portas do Purgatório na sua viagem para o Céu, que sendo inatingível obrigaria essas tal almas a deambular por este mundo metendo medo aos cristãos, pelas encruzilhadas, em noites de breu e tormenta.
Ora acontece que por Bula Papal o Purgatório boi abolido. E por cá, na Galiza da margem esquerda do Minho, ninguém deu por ela nem pelas benéficas e maléficas consequências que isso nos trouxe. Mas já no outro lado e porque os Galegos, da margem direita do Minho, preservam as tradições, isso representou um alívio imenso para quem, de noite, era obrigado a cruzar caminhos e enfrentar as sombras de veredas mal iluminadas. No entanto teve o seu lado negativo. É que essas mesmas almas penadas costumavam fazer umas despesitas nas tascas do reino e também contribuíam para engrossar os votantes em tempos de eleições.
E foi assim que assinalando o sucesso, um colaborador do FARO DE VIGO, de seu nome ANXEL VENCE se referiu num texto publicado em 17 de Janeiro deste ano e que passo a publicar a tradução devidamente autorizada.
ESTADEA - GRAFITTI  EN  PONTEVEDRA
Datei:Santa Compaña Pontevedra 01-01b.jpg 










CRÓNICAS GALANTES por Anxel Vence 

“ FICA  ABOLIDA  A  SANTA  CAMPAÑA”
Provavelmente sem o querer, o Papa acabou de determinar o fim da Santa Compaña que tão bons serviços rendeu aos galegos durante os últimos séculos. Benedito XVI aboliu o Purgatório, retirando assim da circulação as almas penadas que até agora fatigavam cada noite os caminhos deste reino para aliviar a suas angústias nos bares "golfos" da madrugada.  As pré-reformas nem sequer respeitam as almas atormentadas pelo que se vê.
Assegura o Santo Padre que o Purgatório não é exactamente um lugar que possa ser procurado nos mapas ou no Google Earth, mas sim um “fogo interior” destinado a purificar os pecadores que não tivessem conseguido entrada directa no Paraíso. Acabou-se portanto a festa. Uma vez eliminado esse centro de expiação e recolocados os seus inquilinos no Céu –  ou  seja lá onde for – o lógico é que a alegre confraria da Santa Compaña deixa de amenizar as noites da Galiza com sua procissão de túnicas brancas e seus escalafriantes  alaridos.
O encerramento da Estadea por decreto pontifício é uma péssima notícia para os Galegos em geral e para a hotelaria em particular. Desaparece com ela – e com o Purgatório em que se alojavam as suas almas - um dos principais atractivos turísticos da Galiza, ademais um símbolo étnico comparável em popularidade com o Apóstolo, com o Românico Galego, as navalheiras e o tabaco rubio de contrabando. Mas também os proprietários dos bares lhe vão sentir a falta, agora que a lei anti-tabaco lhes aperta as caravelhas das caixas registadoras. Muito menos tristonho do que sugere o tópico, Galiza é um país no qual até os defuntos são gente dada a passar a noite e andar por aí nos copos quando o guarda do cemitério finaliza a sua jornada laboral. A afeição das almas ao vinho está documentada entre outros por Álvaro Cunqueiro (Antigo Director do FARO DE VIGO), que era um perito em anjos, em almas penadas e demais seres do Mais Além que seguem aparecendo por Mais Aquém. Cunqueiro deu no FARO DE VIGO notícia periodística da visita que, vinte e oito almas do Purgatório reunidas em santa e alegre compaña, fizeram a uma certa taberna de Mondoñedo. Contava o Mestre que ali, na de “Póngalas”, os visitantes da ultratumba atiraram ao gasganete quatro rodadas de vinho ribeiro servidas por um aterrorizado dono que não se atreveu a passar-lhes a conta. Não seria por falta de dinheiro, desde logo. Os Galegos que são gente pródiga com os defuntos, nunca deixaram de contribuir para o sustento da Santa Compaña.
Para isso foram colocadas “as Alminhas”  onde os vivos podem deixar uma esmola de forma a que ás almas penadas não lhes falte uns cêntimos para gastar na taberna.
Mantidas por esta curiosa variante de subscrição popular, as alminhas sempre foram na Galiza gente de casa a que incluso se lhes  respeitava o direito de sufrágio em dia de eleições. Na América sobretudo. É sabido que, não há muito tempo, os recaudadores de votos, ajudavam os cadáveres dos emigrantes a sair das campas cada vez que chegavam os comícios. Com grande espírito cívico as almas abandonavam durante algumas horas o sepulcro e uma vez exercido o direito de voto, voltavam à sua residência habitual no campo santo.
Quer dizer que os mortos andantes da Santa Compaña são uma parte mui viva dos costumes deste país e inclusivamente contribuem – com seus módicos consumos – a melhorar a economia da hotelaria e o número de votos dos partidos.
Toda esta rima de tradições poderá agora vir abaixo com a derrogação do Purgatório que dava alojamento ás almas em seu penar rumo ao Céu. Desalojadas de sua casa, como vulgares okupas, ás almas não lhes quedará outra coisa senão renunciar aos seus habituais passeios nocturnos, aos seus  vinhos, suas chachadas com a vizinhança.
Apenas lhes resta o “fogo interior”, apesar de que não seja certo que o Papa tenha aludido à aguardente”
FIM DO TEXTO

ALMINHAS

Alminhas do Serrado

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