sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Louvai o Senhor...

Ouvi agora Senhores a história que vou cantar!                       
E não é a da Naucatrineta!      

                            
Corriam os últimos anos da década de 1990. Já tinha acontecido, em 1996, o primeiro encontro de tocadores de concertina no Forte de Santiago da Barra, patrocinado pelo INATEL e incentivado pela frenética actividade do nosso amigo Augusto de Anha.


Eu, o Augusto e o António Pereira, (conhecido no nosso meio pelo BIFE)  à data dirigente do INATEL, diligenciámos junto ao Bispo a Diocese de Viana, D. José Augusto Martins Fernandes Pedreira ( Para nós e desde os tempos do colégio do Minho - O Padre Pedreira) no sentido de nos ser possível promover a celebração,  em São Domingos, de uma missa acompanhada com música de concertinas.

Argumentámos que a música sacra (tonal) estava ao alcance de ser interpretadas pelos tocadores. Argumentámos que mesmo a música tradicional seria acompanhada cantando textos, devidamente estudados,  integrados na liturgia.


Argumentei eu, nessa altura, que desde que pela primeira vez que tinha ido  à Senhora da Peneda, vinte e cinco anos antes, presenciara os antigos cantadores ao desafio discutirem primeiro se cantavam o profano ou o religioso. Decidindo pelo religioso, tinha ouvido desses cantadores coevos discussões inimagináveis acerca da Criação do Mundo, acerca de Adão e Eva, acerca da Arca de Noé, acerca da vida de Cristo, acerca da circunstância em que Pedro tinha renegado o Messias. E por aí adiante! E que por isso era da tradição aliar os textos sagrados com as cantorias tradicionais.

E o Nosso Bispo Pedreira nem disse que sim nem que não.


 - Que teria de consultar o assessor da diocese para os assuntos da música sacra dado que a concertina não seria um instrumento adequado para tal!

E a autorização não chegou!

Até hoje!

Mas, o Augusto teve uma ideia. 

- Vou falar ao Padre Alípio de Anha. 

E falou.

E o Padre Alípio de Anha ( que Deus e outras almas penadas o tenham) assumiu! 

- Eu vou celebrar uma missa acompanhada ao som das concertinas na Minha Igreja. 


E assim foi. A coisa foi anunciada. Eu tenho em casa o cartaz desse evento mas não sei onde. ( Quando o descobrir publico-o) E a Missa foi celebrada. Estive lá e a gente não coube na Igreja! 
O evento repetiu-se nos anos subsequentes.


Passaram os anos e já neste século, há uma dúzia de anos atrás, levei à Peneda uma senhora inglesa que passara sempre, em 40 anos da sua vida, férias em Afife. Morreu dois ou três anos depois.

Mostrei-lhe a noite da Peneda de 6 para 7 de Setembro em todo o seu esplendor. Vimos  aquelas rodas, imensas e intermináveis, da Cana Verde. Ouvimos o matraquear incessante das castanhetas por cima do som das concertinas. 

No clarear descemos de Lamas de Mouro até ao Cando. Daí a  Vale de Poldras. Pasmou-se com a visão daquelas casas ainda da idade da pedra. Viu a entrada do Palácio da Brejoeira. Contei-lhe que ali era Mazedo a terra do Cantador do Dr. Pedro.

Mas antes, ao cair  da noite, tínhamos assistido ás cerimónias religiosas na Igreja da Peneda. E para surpresa da inglesa, (que não para mim) que falava correctamente português, ouviu do pregador uma invectiva sem dó nem piedade contra os barulhentos tocadores de concertina que invadiam o  terreiro da Peneda, e não tinham qualquer respeito por aquele local sagrado. E manifestou-me a sua incredulidade face àquilo que já conhecia de S. João de Arga. Desculpei a circunstância dizendo-lhe que as coisas eram mesmo assim e não havia nada a fazer!

Passaram anos e já em 2017 desloquei-me à Peneda, no dia  da Romaria, de boleia com o meu amigo José Maria Barroso. 


Na chegada apercebi-me que pelas 21H00 teria lugar no Templo uma cerimónia religiosa da Bênção das Concertinas. E o certo é que o evento foi anunciado nos altifalantes exortando os tocadores presentes na Romaria a assistirem a esse evento. 

Cerca do horário previsto subi o escadório. De concertina ás costas, já cansado, parei a meio da subida e encostei-me ao parapeito de um dos "pátios" e descansei um braço em cima da concertina já pousada no granito. 

Passou por mim um romeiro com a sua concertina e perguntou:

- Então o senhor não vem à bênção das concertinas.

- Não que graças a Deus sou ateu! 

Atirei eu sem pensar, mas reparando que o meu improvisado  interlocutor seguira o seu caminho meio assustado pensando decerto que eu era maluco. E de facto...

Nesse ano, 2017 fiquei cá fora. Não assisti à cerimónia.


Mas no passado mais recente dia 6 de Setembro lá volto eu à Peneda desta vez à boleia do Ernesto Minas, meu primo por encavamento dado ter casado com a Minda do Artilheiro, essa sim minha prima, e na companhia do nosso amigo e conhecido António Viana.

Entrámos no Santuário da Senhora da Peneda um pouco antes da hora da anunciada Bênção das Concertinas. Instado pelos meus acompanhantes e também pelos desconhecidos à volta, que me viram de concertina, integrei-me no grupo dos tocadores que se dirigiram para a frente da cerimónia e na qual acabei por tomar parte. Reconheci no grupo o Ricardo Ferreira  e o Fernando Barros.


E sem que tenha sido essa a minha intenção inicial, acabei por participar numa cerimónia que me emocionou até à raiz dos dedos que  Deus me deu para tocar concertina, entre outras coisas. Chorei em plena igreja! O meu coração recolheu as minhas lágrimas. 
( Dizem que tenho um coração de água. Talvez por isso).

E o que mais me tocou foi a homilia. Os celebrantes invocaram Deus! Invocaram a Senhora da Peneda, esclareceram que afinal quem estava a ser abençoados eram os tocadores e não os instrumentos. E invocaram a Bíblia mais precisamente os Salmos de Salomão.

LOUVAI O SENHOR NO SEU LUGAR SANTO

Louvai-O com o toque de trombetas
Louvai-O com o instrumento de cordas e com harpa
Louvai-O  com o pandeiro e com a dança de roda
Louvai-O com as cordas e com o pífaro
Louvai-O com os címbalos de som melodioso
Louvai-O com os címbalos retumbantes

Toda a coisa que respira - louve ela ao Senhor.
Louvai ao Senhor!

E as concertinas eram instrumentos que respiravam. Justificavam os pontificantes!!!

( E as orvalhadas do hissope também caíram sobre mim e a minha concertina!) 



Meu Deus! Meu Deus! 

Que estava eu a ouvir! 

A ouvir com aquelas orelhas que Deus me deu para ouvir. 

Eram as mesma palavras que eu , em 3 de Fevereiro de 2016, tinha proposto para que se louvasse o Senhor ao som das concertinas.

Ver aqui
https://lopesdareosa.blogspot.com/2016/02/louvai-o-senhor-no-seu-lugar-santo.html

Que agora transcrevo


LOUVAI O SENHOR NO SEU LUGAR SANTO

Louvai-O com o toque de trombetas
Louvai-O com o instrumento de cordas e com harpa
Louvai-O  com o pandeiro e com a dança de roda
Louvai-O com as cordas e com o pífaro
Louvai-O com os címbalos de som melodioso
Louvai-O com os címbalos retumbantes

Toda a coisa que respira - louve ela ao Senhor.
Louvai ao Senhor!

Está escrito nos Salmos - livro da Bíblia sagrada

LOUVAI O SENHOR COM O TOQUE DA CONCERTINA - que é até um instrumento que respira!

Pois é, mas o Padre Fontes, no Barroso, foi proibido pelos ministros, de celebrar a Santa Missa AO SOM DAS CONCERTINAS! ( O`Padre Alípio de Anha é que não esteve com meias medidas!)

Dizem que é um instrumento profano! 

- E o pandeiro e o pífaro de Salomão eram o quê?

- Será que essa gente não conceberá que foi Deus que guiou o Austríaco na sua invenção?

- Será o Órgão um tal instrumento não profano?

Coisa curiosa! Quem inventou o acordeão diatónico foi um construtor de Órgãos!

Foi Deus ou o diabo que guiou a mão do Damiano?

No Órgão foi Deus. 


- Na concertina foi o diabo?

fim da transcrição

Moral da História

Congratulo-me que a Igreja, inadvertidamente ou não, tenha utilizado os mesmos argumentos de um ateu assumido para abençoar as concertinas.

- Mas então a diocese, o bispo e o assessor para a música não sabiam já das escrituras nos idos anos de 90?

- Porque não autorizaram expressamente a realização da tal missa se o sabiam???

Agora há uma dúvida que me assalta.


- Num sei se Deus e a Senhora da Peneda abençoaram as concertinas, ou se foram estas ( os tocadores destas, entenda-se) que obrigaram os Sacerdotes a abençoarem as concertinas, em nome de Deus e da Senhora da Peneda.

ENFIM

Rumemos em adoração à Senhora da Peneda a cada seis de Setembro. 
( Sempre e apesar das Feiras Novas)

Toquemos a concertina agora abençoada.

Dancemos a CANA VERDE que deve ser a tal dança de roda dos Salmos.

Louvemos a Deus

Por minha parte louvo e agradeço a Deus ter iluminado o meu discernimento, permitindo-me decidir ser Ateu! 

Assino-me
António Alves Barros Lopes
Para demonstrar que não estou a brincar como quem brinca com brincadeiras!




2 comentários:

  1. Excelente texto de memórias e estórias das nossas Romarias . Parabéns amigo Lopes da Areosa , sempre oportuno nas suas prosas.

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  2. Pois é Costa Lima. Mas há vida, outras vidas, para além da superficialidade das festas e romarias. E a religiosidade de todo um "povo" que humilde e anonimamente enche os arraiais, deveria ser respeitada. Não deixem essa tarefa só para os ateus!

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