quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

UM POVO QUE NUNCA EXISTIU

A frase completa é

"Na qualidade de observador distante, resta-me acrescentar que esse povo autêntico cuja certidão de óbito Homem de Melo passa aqui nunca existiu fora do encantamento de quem o imaginou."

Foi escrita por João Vasconcelos e encontra-se em
file:///C:/Users/Compaq/Downloads/Povo%20Enquanto%20L%C3%ADbido.pdf

Intitulado

O Povo enquanto libido no folclorismo poético de Pedro Homem de Mello (1904-1984)

O que quer dizer que não deve ser tomada literalmente e que deve ser contextualizada para entender ao que o autor se refere para concluir dessa forma.

O texto em causa trata de uma visão sobre a figura de Pedro Homem de Mello, a sua obra e a sua "estética" ligando o Poeta ao folclore e estes ao tal povo que embora referenciado e reverenciado pelo mesmo, não teria existido para lá (ou para cá) da excitação libidinosa do Poeta (Se bem entendí conjugando a conclusão com o título do texto). A não ser assim não entenderei a que povo ou a que libido se referiria o autor.

Ou seja, tudo se passaria sem que nada houvesse para lá ( ou para cá) da exaltação do Poeta. Em parte é verdade. Eu diria que sendo o tal povo cem por cento, Pedro Homem de Mello lhe terá acrescentado mais vinte por cento fruto da sua sensibilidade exacerbada. ( Fosse causa ou efeito por isso era Poeta.)

Em primeiro lugar é necessário localizar o Poeta no meio do tal folclore e ele próprio esclarece em texto publicado no Jornal de Notícias.

"Causa e não  causa pasmo talvez que o autor desta crónica intitulada folclore não se considere nem deixe de se considerar folclorista. Todavia, a seu respeito, no que se relacione com a cultura popular, unicamente podemos afirmar que, nele, a paixão dominante foi, desde sempre, a dança." 

Ou seja; Poeta, Pedro Homem de Melo, alguém o carimbou de "folclorista".

Coloca-se assim neste contexto a não existência desse tal povo que o terá libidinosamente empolgado. Círculo vicioso de insolúvel desenlace.


A minha opinião é exactamente contrária. Quer Pedro Homem de Mello tivesse ou não andado por estas paragens o tal Povo teria existido sempre.
E constituir-se libido nas entranhas de alguém dependeria sempre desse alguém. Caso do Poeta, pelos vistos

Ora Pedro Homem de Melo só por um acaso apareceu no alto Minho.

Quando um ser humano vem ao mundo há qualquer coisa de transcendente na sua génese - quer se trate da natureza ou se pela mão de alguma divindade ( as religiões acreditam nesta ultima explicação) Assim sendo a Pedro Homem de Melo corresponderia a inevitabilidade da sua existência. Logo não se pode exluir a sua passagem por este mundo para demonstrar que este mesmo mundo rolaria mesmo sem ele.

Mas já a passagem de Pedro Homem de Melo pelo Alto Minho não dependeu de algo tão elevado. Foi resultado de um acto bem comezinho e trivial. Apenas e porque o seu Avô, Cunha e Pimentel, comprou aos da Casa dos Cortiços, uma propriedade roubada aos cregos pelos liberais e que o General Luis do Rego tinha apanhado por tuta e meia. Não o tivesse feito e Pedro Homem de Melo, a quem não lhe negaria a existência por causa disso, possivelmente nunca poria os pés em Afife nem tão pouco contactaria com o tal povo, pelo menos o do  Alto Minho

Seria na mesma poeta, frequentaria o Porto e possivelmente escreveria o mesmo POVO QUE LAVAS NO RIO inspirado não no Rio de Cabanas, mas no de Águeda ou em Provesende, terras de seus avós paternos e maternos onde de certo também o tal povo  lavava nos rios.

Por uma vez Pedro Homem de Melo se enganou. O tal Povo teria já desaparecido - Nada mais errado

Apesar do progresso e do desemborbimento os do Alto Minho (e os outros) não deixariam de lavar nos seus rios. (Onde deixaram de o fazer é porque lhe poluiram as águas ou lhes roubaram o caudal). Nem deixaram  de ir ás feira e à tenda desde Ponte de Lima à Peneda. Nem do Cerdal ou dos Curros na Galiza.

Sorte tivemos nós que isso tivesse acontecido (Pedro Homem de Melo ter andado por estas bandas) dado que se isso não fora, teríamos percorrido metade do século passado sem que uma alma poética do calibre do Dr. Pedro tivesse reparado no tal Povo. Talvez uma Maria Manuela Couto Viana.


Mas a notícia  do tal observado Povo não  dependeu apenas do interesse lírico  de Pedro Homem de Melo. O mesmo Povo, as mesmas circunstância, os mesmos heróis, os mesmos protagonistas foram cantados por outros não tanto ( ou até mais) libidinosos como Pedro Homem de Melo.

Leia-se Ruben A e o que ele escreveu sobre Carreço.

Leia-se Maria Manuela Couto Viana e o seu
Romance do Rapaz de veludo
http://lopesdareosa.blogspot.pt/2010/12/maria-manuela-couto-viana.html


Leia-se António Pedro no surrealista
PROTOPOEMA DA SERRA D'ARGA
http://lopesdareosa.blogspot.pt/2011/03/protopoema-da-serra-darga.html

Leia-se Helena Tarouca naquilo a que chamei
ROMANCE NA PONTE DE S.JOÃO
http://lopesdareosa.blogspot.pt/2011/04/cabanas-afife.html

Leia-se o que Ernesto Veiga de Oliveira escreveu sobre S. João D'Arga e sobre o Vilarinho.

E tantos mais sem que a visão desses sobre o mundo fosse exactamente a mesma de Pedro Homem de Melo.

Ou seja,  o tal Povo que Pedro Homem de Melo testemunhou, sempre existiu. E ainda existe, por mais incrível que a coisa se nos apresente.

Quem não acreditar nisso que pergunte ao Alberto Sardinha ou ao José Maria Barroso. Pergunte a um tal Pina Cabral.

E que venha comigo à Peneda ou à Barca, ouver aquelas imensas e intermináveis rodas da Cana Verde.
(Esse tal Pina Cabral já por lá andou segundo confessa no seu AROMAS DE URZE E DE LAMA).

E depois dos meus olhos caírem de inveja por não ser capaz de dançar daquela maneira - como aquele povo autêntico. Mais que não seja porque não há outro - e depois de eu contar o meu lamento ao mundo, que ninguém me venha dizer que esse defeito não terá passado de uma manifestação orgástica do meu encantamento.

Tone do Moleiro Novo

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