terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

TIO BENIGNO DE GONDARÉM


O TIO BENÍGNO

Passsei horas e horas a ouvi-lo tocar a Gôta. Não falhava um feira em Cerveira. Era o tocador de Gondarém que eu vira quando miúdo, na televisão, nos programas do Dr. Pedro. Muitas vezes o fui visitar a sua casa. Estive em Gondarém no dia do seu funeral. Para que constasse, ainda mais, na história a A AURORA DO LIMA publicou em 3 de Abril de 1996 o seguinte:


"O TIO BENIGNO DE GONDARÉM 

Tio Benigno
Artemiza do Penedo
Cândida do Guilhadas
Patego
Leandro do Milé

O Dr. Pedro chamava-lhes “Os cinco de Gondarém”. E mais não seriam precisos. O Tio Benigno tocava a concertina, os outros cantavam e dançavam. Dançavam com aquele jeito escangalhado como dizia o Nelson de Covas. – A Nossa Elegância é a nossa deselegância, dizia Domingos Enes Pereira. E ao mesmo tempo cantavam como já não se canta ( ou ainda sim)  no Alto Minho.

Aprendi a vê-los e a ouvi-los na televisão. Tinha eu cerca de catorze anos. Depois, no Porto, o Paulo Lemos Costa explicou-me quem eles eram. Um a um. Acabei por me acercar deles. Estiveram no Monte de Santo António em Afife no ano de 1970. Estiveram no Casino de Afife em 1985. Não com a senhora Cândida mas com a D. Maria de Mangoeiro. Tocavam dançavam e cantavam o Vira, o Espanhol, a Peseta, a Rosinha, a Gota, os Dois Passos, a Francesa. Cantavam o Vai-te Lavar Morena.

O estribilho da Gôta por difícil que era, ( e é ) deve ter sido criado pelo Tio Benigno ao passar para a concertina os floreados de uma flauta ou gaita de foles de uma dança que, na maior parte das situações, apenas teria por acompanhamento alguns instrumentos de arame ou alguns bombos e pandeiros que houvesse à mão.

Tudo isto para justificar ( explicar é melhor ) porque é que eu aparecia, em Gondarém, de vez em quando. No ano passado, no Domingo Magro, fui a Gondarém. Parei junto à casa onde o Tio Benigno habitava. Dei com um movimento pouco usual para aquelas bandas. Perguntei o que acontecera.

-         Conhecia um Senhor que tocava concertina?

 Não respondi que sim nem  que não pois já adivinhara o motivo daquela resposta/pergunta. O Tio Benigno estava depositado. Os Filhos e Netos recebiam os amigos. No dia seguinte fui ao enterro. Não houve cantoria nem música de Concertina. Mas nem na Igreja de Gondarém, feita de Pedra Morena, nem no cemitério, nem no Calvário se poderão esquecer os sons da Gôta tocada pelo Tio Benigno. Por isso, um ano antes de morrer, o Dr. Pedro, na estalagem da Boega, mandou recado ao Tio Benigno para que lá fosse. Queria ouvir, pela última vez, a Gôta de Gondarém.  É até possível que mesmo depois da morte se continue com os sons da Gôta nos ouvidos. Ainda ninguém m’o desmentiu.

Mas esses sons não se repetem. Estão gravados, mas não se repetem. Só podem ser copiados. Isto porque se calou a concertina que os tocava. Isto porque, um dia, o Tio Benigno, chateado por não lhe pagarem os ferros da lavoura aquilo que entendia justo, decidiu não os vender, e dependurou-os nos muros da sua Casa. Alí para os lados de S. Sebastião. Com um letreiro;
































A MINHA ARTE TREMINOU
MAS NÃO SE BENDE  

 Ora a arte do Tio Benigno acabou, de facto, no Entrudo do ano passado. Mas como não podia ser negociada ninguém a comprou. Assim, ninguém ficou com ela. Muitos a copiam. Mas as cópias que ouço nem aos calcanhares do Tio Benigno chegam. A minha incluída. " 

NOTA
Aquando da publicação deste texto acabei por cometer um omissão pouco elegante. Eu sabia que, no Alto Minho, ainda se cantava e canta como antigamente. Fiquei com o segredo para mim. Hoje me penitencio. São também de Gondarém. São As da Chàozinha que sempre acompanharam o Tio Benigno por todo o lado. A todas as Irmãs o meu  público pedido de desculpas. A todas elas e ao seu irmão, o João Barrigas as minhas publicas homenagens.  Mas a Arte vem de família. Ainda tive a felicidade de falar com a Senhora Matriarca. 

8 comentários:

  1. Belíssimo texto acerca de uma das mais conhecidas modas Minhotas. Moda essa que há muito ultrapassou as fronteiras da aldeia e do concelho de origem e é ouvida em todas as festas do Minho.

    Maior elogio ao seu máximo executante não pode haver...

    Tenho contudo que perguntar se a Gôta que refere é ou não semelhante a dos ranchos folclóricos pois, há uma versão diferente numa volta de que se diz ser a verdadeira.

    Obrigado.

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  2. Realmente, o Mundo é pequeno! Ainda no S.João d'Arga estivemos a falar desta afamada Gota. É uma pena que todas estas coisas acabem e, talvez pior, que versões deturpadas das mesmas cheguem a todo o lado. Um abraço do mais novo do Cerquido

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  3. Para o Galaico
    Não sei a que ranchos folclóricos se refere. No entanto sei que há alguns que deram em interpretar a Gôta de Gondarém. Mas a Gôta não é uma cantiga, é uma dança e na dança o trespassado não se repetia. Logo e consequentemente,na cantoria o estribilho não se repete. No entanto cada um é como cada qual e como estamos numa terra de liberdades há quem as tome com mais ou menos açúcar.

    Para o Cerquido

    Mãe do céu!
    Olha o Cerquido!!!!
    Tenho-te prometida uma cópia da gravação da Gôta pelo Tio Benígno. Não me esquecí. O que acontece é que sou muito esquecido!!!!

    Um Abraço para todos
    Barros Lopes
    AFIFE

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  4. Com as minhas desculpas ao Galaico

    Não há cantoria no estribilho. Sòmente música!

    Cmpts
    Barros Lopes

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  5. Sr. Barros Lopes,

    Muito obrigado pelos esclarecimentos.

    A liberdade é uma coisa boa mas que, em certas circunstâncias, necessitava de ser refreada...

    Mas isso seriam outras conversas. Daquelas tantas vezes repetidas que enfadam até os padres.

    Cumprimentos.

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  6. Parabéns pelo lindo texto dedicado ao meu querido avô!
    Era sem dúvida dos melhores tocadores de concertina com um som único que despertava logo no ouvido...

    Obrigado!
    Os meus cumprimentos.

    Elisabete

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  7. O Tio Benigno era uma das referências que o próprio Nelson de Covas me dava, da sua vivência! - Tive a felicidade na vida de conhecer um a um todos esses "heróis" de Pedro Homem de Melo. Do Tio Benigno guardo esta fotografia e a Gôta. E a água nos meus olhos quando a toco!

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