ORDENAMENTO DA FLORESTA?
QUEM FOI QUE A DESORDENOU??
( Subsídios para a história do Monte de Areosa e algumas generalidades sem importância)
Bem, o que eu queria dizer era mesmo O MONTE. E isto no respeito que toca à Paróquia de Santa Maria de Vinha, crismada de Areosa, onde nasci. E desde que comecei a tomar conhecimento de mim e da minha circunstância sempre ouvi falar em ir ao Monte. Floresta foi uma coisa que por cá tinha aparecido por volta de 1940 e sempre que a essa coisa os da minha terra se referiam, isso queria dizer SERVIÇOS FLORESTAIS que, nessa data, sujeitaram compulsivamente os Baldios de Areosa ao Regime Florestal.
Primeiro era o Monte Baldio depois veio a Floresta. Foi o que sempre ouvi dizer. O que não é a mesma coisa como se vai ver.
O Monte foi sempre um elemento integrante e integrado da e na vida da gente da minha terra e em cima do seu valor foi construído, desde tempos imemoriais, todo um sistema social e económico sem o qual não poderia sobreviver nem tal se justificaria. O ciclo era sempre o mesmo. O Monte produzia o mato. O gado era criado nas cortes e nos eidos. A veiga alimentava o gado. A veiga, para produzir, necessitava de ser adubada. As vacas cagavam e mijavam. Para manter o estábulo seco era necessário fazer-lhes a cama todos os dias com material adequado. Nada melhor que o mato que misturado com a bosta compostava o melhor fertilizante que, depois de curtido, era arrancado e distribuído nas veigas. Assim, todos os anos, todas as casas de lavoura subiam ao monte para cortar mato. O ciclo completava-se e ai de quem deixasse uma leira por estrumar. Mesmo assim e como complemento os da minha terra iam ao argaço e esgotavam as fossas da Ribeira.
Voltando ao Monte, é evidente que este dava muita mais coisa. Lenha, caça e espaço para pastoreio. Mas depois veio a Floresta!
Aqui chega-me á ideia uma quadra que aprendi com o Nelson de Covas, O Vilarinho
O Lugar de Vilarinho
Todos dizem que não presta
Estava-se lá muito bem
Se não fosse a floresta
O que quer dizer que não foi apenas em Areosa que a desgraça tocou!
Ora o Monte era afinal todo o território que ficava para Nascente da bordadura dos muros dos lugares e quintais das últimas casas encostadas a esse mesmo monte. Isto de Norte a Sul, desde Carreço até Monserrate e até aos limites da Freguesia com Santa Maria Maior, Meadela, Perre, Outeiro e Afife.
Se nos situarmos nos inícios do século dezanove esse monte era Baldio na sua globalidade. Pelo meio existiam propriedades particulares como a Quinta do Martins. Outras, também particulares, eram as bouças. Umas isoladas como a Bouça do Lourenço ou a Bouça do Frade. Outras em conjunto como as de S. Mamede, uma grande concentração e as de São Pedro, em menor quantidade. Mais algumas nas Borralhadas. Ora a área Baldia era usufruída pelos moradores em comum. E , possivelmente, o corte de matos seria feito aleatoriamente nos locais mais próximos mais acessíveis e de melhor produção e manuseamento como eram as chãs. No entanto o aumento de número de fogos e a necessidade de mais áreas cultivadas levou decerto a duas preocupações. Em primeiro lugar evitar que os moradores, individualmente considerados, tomassem abusivamente conta de alguma área comunitária Em segundo lugar disciplinar o próprio processo de corte de matos.
Assim e como não houvesse qualquer vínculo nem foral desse terreno baldio, suplicaram em 1825 os de Areosa ao Rei, para que o mesmo lhes fosse aforado perpetuamente fundamentando precisamente nessas duas razões; a da necessidade de matos e impedir ocupações e tomadas por particulares em prejuízo da lavoura. O rei acedeu e o Baldio de Areosa foi aforado aos seus moradores ficando estes a pagar foro ao Senado da Câmara de Viana. Com este documento resolveram o primeiro problema assegurando também o fim principal a que se destinava o baldio precisamente o do roço anual dos matos. Quanto ao segundo, não havendo documentos ou memória desses tempos será plausível ter em conta a situação que existia nos princípios do século vinte para aceitar que já cem anos antes os de Areosa teriam dividido o monte em faixas Norte /Sul a que chamaram partilhas ou trechos, organizadas em três quadriculas Nascente/Poente correspondendo cada uma dessas quadrículas à respectiva Quadrilha, hoje lugares; de Além do Rio, do Lugar do Meio e da Povoença. Por sua vez cada uma dessas quadrículas era dividida em Glebas ou Sortes numa quantidade mais ou menos igual ao número de casas de lavoura existente em cada Lugar. Eram aquilo a que se chamava as sortes do roço de mato anual. E todos os anos essas glebas eram sorteadas - por isso se chamavam sortes - pelas casas de lavoura do respectivo lugar em que sendo num ano sorteada uma determinada partilha no ano seguinte seria a partilha subsequente. Com esse sorteio evitava-se que uma determinada casa cortasse mato sempre no mesmo sítio. Ora fácil é entender que esse processo garantia que num determinado momento uma partilha ficasse limpa, outra tivesse mato de um ano, a outra de dois e assim sucessivamente. O que levava a que cada partilha fosse limpa de cinco em cinco anos (partindo do princípio que o número de partilhas correspondia a esse ciclo). Fácil é também concluir o que esse xadrez contribuía para a protecção do próprio Monte. Sabe-se dessa divisão já que em 1860 foi decidido pela Junta de Paróquia partir o monte em sortes e até ás Bouças de S. Mamede. Não se sabendo quantas partilhas haveria nessa data. Nem se o roço iria para além de S. Mamede.
Em 1881 parte do monte aforado foi acoutado por postura Camarária. Pela descrição dos limites desse acoutamento se conclui que uma grande parte do baldio ficou interdita ao corte de matos e ao pastoreio. A única razão plausível para tal terá sido dar descanso a esses terrenos escalvados por essas acções. Ficando utilizáveis apenas as áreas sobrantes a Nascente e a Poente
Em 1884 a Junta da Paróquia resolveu atribuir as sortes da encosta Poente, de uma forma definitiva, uma a cada uma das casas de lavoura existente à data. Essa divisão corresponde ao que os de Carreço chamam de Baixa Vertente ou Primeira Partilha ou seja, a encosta virada ao Mar. Cada casa tomou conta da sua Gleba e a partir dessa data essas sortes passaram a ser propriedade privada das respectivas famílias entrando nos inventários de partilhas. Isto porque já desde e por volta de 1840, cada casa vinha tendo a seu cargo uma determinada sorte de uma maneira fixa e nas quais cada um já tinha investido em sementeira de pinheiro. Ou seja desde 1840 os de Areosa entenderam arborizar a baixa vertente valorizando as propriedades que mais tarde lhes seriam atribuídas definitivamente, incidindo a partir daí o roço anual no restante Baldio a Nascente. Essa “privatização” de parte do Monte Baldio resultou na divisão em 319 sortes. De notar que mesmo nas matrizes de 1939 resultantes do incêndio das finanças em S. Domingos , ainda se podem encontrar os mesmos nomes dos proprietários (ou seus familiares) a quem as sortes foram atribuídas em 1884.
A partir de então ficou o restante Baldio a Nascente reduzido, ao que suponho, a cinco partilhas onde as sortes do roço anual terão continuado a ser sorteadas.
Essas sortes da Primeira Partilha ao serem privatizadas começaram a ser objecto de uma atenção especial por parte dos proprietários pois estando garantido o roço anual no restante baldio continuaram a fazer sementeira de arvoredo e muito lentamente a Baixa Vertente começou a ser arborizada.
Isto até Janeiro de 1922, altura em que a Junta de Freguesia de Areosa remiu definitivamente o Foro à Câmara de Viana, pagando em definitivo o mesmo, conforme escritura notarial dessa data. Passando assim á posse definitiva do Baldio agora sem qualquer vínculo ou encargo perante entidade terceira.
Logo após e já em Fevereiro desse ano, a Junta de Freguesia de Areosa iniciou um processo de privatização das Sortes da Segunda Partilha. As SORTES DE VINTE ANOS. Assim a Junta de Freguesia atribuiu em definitivo uma sorte a cada uma das casas de lavoura existentes á data e desta vez na partilha imediatamente a Nascente da primeira.
Desta vez a divisão foi feita em 408 parcelas o que quererá dizer que desde 1881 o número de fogos em Areosa terá aumentado em cerca de 90.
Ora tendo as Finanças ardido, foi feita nova matriz das propriedades em 1939. E já nessa data as SORTES DE VINTE ANOS foram matriciadas no nome dos respectivos proprietários. E também já tinham entrado em inventários de partilhas. E da mesma forma que tinha já acontecido na “privatização” anterior, os proprietários das SORTES DE VINTE ANOS investiram entre 1920 e 1940 na sementeira dessa área, agora não só de penisco mas também no plantio eucaliptos, novidade da época.
Assim e por isso, desde 1920 e até 1940 o roço anual passou a ser efectuado em quatro partilhas ou trechos na parte restante do baldio para Nascente (esta quantidade está documentada) que eram as partilhas existentes quando os Serviços Florestais interferiram no sistema. Já veremos!
Assim a propriedade privada do monte passou a ser a faixa da primeira partilha e também a das SORTES DE VINTE ANOS. E muito mais vincado foi o esforço de cada um em plantar arvoredo naquilo que a cada qual passou a pertencer. Para além da sementeira de penisco iniciou-se um processo de plantação de eucaliptos que á data - primeiras décadas do século vinte – era uma inovação como já disse. Isto porque o roço anual continuava a ser garantido na área remanescente do Baldio Grande. E não é por acaso que chegados ao dia de hoje são ainda as propriedades particulares que se apresentam arborizadas.
Mas todo este advir, não assim tanto à sorte, foi bulido por um acontecimento que veio alterar dramaticamente a relação dos de Areosa com o seu Monte. O Estado Novo resolveu submeter ao regime florestal estatal os Baldios do Continente. Para tal a Junta de Colonização Interna elaborou um inventário de todos os baldios existentes. Os de Areosa informaram para esse inventário que os seus Terrenos Baldios não eram assim tão baldios pois tinham sido aforados à Freguesia e esta tinha remido definitivamente esse foro. O certo é que nesse tal inventário, na Freguesia de Areosa, é tido como não tendo sido encontrados baldios.
Mas isso de nada adiantou. Em 1940 os Baldios pertencentes à Junta de Freguesia de Areosa foram sujeitos ao regime florestal parcial integrados no Perímetro Florestal de Santa Luzia. Para tal celebrou-se um inquérito na Câmara Municipal de Viana do Castelo ao qual os de Carreço, os de Areosa, os de Outeiro e de Freixieiro de Soutelo não comparecerem enviando á tutela diversos documentos a dizer que não aceitavam essa sujeição dado que os montados não lhes tinham sido aforados para tal e que as áreas florestadas estavam perfeitamente definidas em cada Freguesia. De nada lhes adiantou.
Os de Areosa foram até ao Supremo e perderam. Sem apelo nem agravo Areosa deixou de gerir o que lhe pertencia com a agravante de os Serviços Florestais argumentando que as tais SORTES DE VINTE ANOS eram baldios e não propriedades particulares também tomaram conta desses terrenos ficando os respectivos proprietários a ver navios impedidos de usufruir daquilo que lhes pertencia. Esta situação só foi resolvida dez anos depois, já em 1953, com uma devolução ( muito bem encenada) aos legítimos proprietários dessas sortes num processo mirabolante que será objecto de uma outra crónica. De realçar que a lista de proprietários em 1953 corresponde ás matrizes de 1939.
Além do abuso, e da dramática alteração do relacionamento da lavoura de Areosa com o seu monte, a sujeição ao regime florestal causou danos patrimoniais a Areosa que eu pressinto de irreparáveis.
Na trapalhada da tal sujeição ao regime florestal, os Serviços Florestais tomaram conta, sem qualquer legitimidade, de um terreno Baldio pertencente a Santa Maria Maior que, desde a Cova do Gato, cai para Abelheira entre S. Francisco e a Quinta da Malafaia. E isto sem que no tal inventário da Junta de Colonização Interna, nem no inquérito de 1939, nem no Decreto da Sujeição, houvesse notícia de qualquer terreno pertencente a Santa Maria Maior.
Ou seja esse tal terreno foi sujeito ao regime florestal como pertencendo a Areosa. Os talhões de floresta lá definidos foram, desde o princípio atribuídos, a Areosa.
Em 1966 aconteceu uma situação caricata. A Câmara Municipal de Viana do Castelo tenta promover um auto de inquérito de sujeição ao regime florestal desses mesmos terrenos dando-os como “…pertencentes a este (Câmara) Corpo Administrativo…”
Juntando uma planta dos mesmos sem ter em consideração que parte deles pertenciam ao Baldio De Areosa. Deu tudo em águas de bacalhau dado que na data não apareceu nenhum Presidente da Junta, Regedor, Pároco ou proprietário das Freguesias envolvidas.
Como os de Santa Maria Maior repararam que tinham terrenos nessas paragens solicitaram aos Serviços Florestais a regularização dos mesmos reclamando junto deste organismo. Em consequência e em Outubro de 1973, realizou-se na Câmara de Viana do Castelo um auto de inquérito de sujeição ao regime florestal parcial
“…duma parcela de terreno baldio com a área de 42 ha (!!!) sito nas freguesias de Santa Maria Maior, Meadela e Areosa.”
Acompanhava esse auto de inquérito uma planta topográfica com uma divisão incorrecta das Freguesias. A Cova do Gato não consta nessas plantas. O terreno aí representado nem na Meadela tocava. Continuava a ser ignorar que a parte baldia de Areosa já tinha sido sujeita ao regime florestal. Para aumentar a confusão o representante da Câmara, invocando o Código Administrativo em vigor á data, argumenta que estando os terrenos baldios em três freguesias os mesmos eram Municipais (!!!) fazendo tábua rasa do aforamento do Baldio de Areosa e da divisão entre esta e Santa Maria Maior.
Na respectiva acta os representantes de Santa Maria Maior demonstram um total desconhecimento daquilo que estava em causa tendo um deles declarado que concordava que todo o baldio fosse municipal e não apenas aquela parcela!!!.
Valeu então o discernimento do Padre Quintas então prior de Areosa e do senhor José Minas Presidente da Junta á data, que assinaram vencidos tendo relatado para a acta as razões dessa posição; precisamente do facto do mapa estar errado e de não terem sido tidos em conta os documentos do aforamento. Até hoje o assunto, que eu saiba, não foi resolvido.
Enfim o resultado de toda esta trapalhada está á vista. Havia um sistema ancestral.
Areosa tinha o monte ordenado. Havia uma zona arborizada perfeitamente definida em relação ao baldio, neste as Bouças garantiam uma certa descontinuidade tanto pela existência dos muros como do trato especial que os proprietários lhes dedicavam equivalente ao que dedicavam nas sortes particulares.
No Baldio e em cada momento havia uma partilha limpa de matos, outra com matos de um ano, outra com matos de dois anos, outra com matos de três, outra com matos de quarto e, ao quinto ano, tornava-se a limpar a primeira. E nisto ainda assim cada partilha dividida por três lugares o que equivalia a uma quadrícula de doze áreas permanentemente limpas em xadrez.
Na Chão Grande, pelo Maio, o roço do mato era uma festa. Juntavam-se os de Outeiro com os de Afife, Areosa e de Carrêço. Vinha também gente de Perre e da Meadela. Por causa dos limites ouve pancadaria. Mas também o convívio deu em casamentos.
Na Chão Grande, pelo Maio, o roço do mato era uma festa. Juntavam-se os de Outeiro com os de Afife, Areosa e de Carrêço. Vinha também gente de Perre e da Meadela. Por causa dos limites ouve pancadaria. Mas também o convívio deu em casamentos.
Havia também o pastoreio do gado no Monte Baldio. E pastar o gado significava levar não só vacas mas também caprinos e principalmente ovinos. Não havendo grandes rebanhos, a não ser em S. Mamede , a quantidade destes andaria por metade do contingente de gado bovino dado que era tradição cada casa ter ovelhas mais ou menos nessa proporção.
O Monte Baldio era também percorrido pelos burros da chão - que afinal não eram burros mas sim garranos que se criavam no estado selvagem. Tudo acabou com a chegada dos serviços Florestais. O pastoreio foi fortemente condicionado, proibido até!
A minha mãe pagou aos Serviços Florestais, de multa para resgatar uma ovelha que lhe fugira para o baldio, uma quantia igual ao valor do bicho!
A criação dos cavalos acabou. O sorteio do roço anual foi condicionado pelos Serviços Florestais extinguindo-se a sua prática nos finais dos anos 50. Desde essas alturas cortar mato dependia do chapéu na mão junto do Administrador ou de outras coisas junto ao guarda. Os últimos Areosenses a marcar o monte foram o Tio Arnaldo Fagundes e o Tio Zé do Viúvo. Quanto a este último o Senhor António do Cascudo ou do Marrães contou-me que, ainda miúdo, um ano, o acompanhou nesse trabalho. Levava o Tio Zé, no alforge, uma garrafa de vinho branco. Na subida ao monte partiu a garrafa. Não havendo vinho não houve marcação e voltaram para casa.
Por fim o descalabro dos anos 60 foi tal que já na década seguinte se cortava mato por qualquer lado sem que alguém se importasse com isso!
Hoje apenas subsiste um rebanho significativo em S. Mamede. Quanto á criação de cavalos no estado selvagem, ( que na Galiza nunca foi interrompido dando origem a uma celebração - A RAPA DAS BESTAS- que faz parte dos roteiros turísticos), as minhas homenagens aos de Outeiro e a todos que com eles colaboram, que constituíram uma associação e reataram no nosso Monte essa mesma tradição.
O curioso é que as nossas autoridades descobriram recentemente que as cabras ovelhas e o pastoreio seriam os limpadores naturais dos montes e estudam agora a reintrodução de 150 mil cabras de parceria com a Espanha, na região de Guarda, Bragança, Zamora e Salamanca. Mãe do céu que descoberta! Parece que nunca ouviram o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles a pregar aos peixinhos desde há quarenta anos a esta parte!
Ou seja, depois da palermice do Estado Novo na matéria, depois da Abrilada, depois de então para cá, não terem feito nada mais senão destruir o meio social de onde os pastores despontavam, os novos dirigentes repararam em tal coisa. Mais vale tarde que nunca. Valha-nos isso!
Ora se agora andam para aí a dizer que há que ordenar a floresta é de perguntar quem a desordenou! O mundo rural foi invadido, usurpado, humilhado, destruído, abandonado.
Em 1980 Areosa ainda tinha 124 produtores de leite o que equivaleria a que presumo a um contingente de cerca de 250 de vacas leiteiras. O total de cabeças de gado bovino seria superior. De realçar que nesta data já era notório o declínio iniciado nos anos sessenta. Nos tempos áureos e tendo em conta as sortes de vinte anos estimo que esse contingente tivesse atingido as oito centenas
Depois da nossa entrada na CEE, em 1986, tudo se precipitou. Esse gado que se criava no convívio da área habitacional de Areosa, desapareceu. Os eidos e as esterqueiras deram boas garagens. O mato fica por cortar. Hoje não há um único produtor de leite. Os postos de recolha encerraram. É evidente que seria impensável, nos dias de hoje, ter duas ou três vacas por cada casa de Areosa. Mas também é certo que esse sistema não evoluiu para lado algum. Poderia ter dado origem a três ou mais explorações, pelo menos uma por lugar, cada uma com 150 cabeças de gado. Mas, hoje, nem isso seria possível. O Plano Director não permite. Cheiraria mal e seria proibido! Foi o que aconteceu em Carreço quando alguém se lembrou de propor o coberto arbóreo da encosta Norte de Montedor para instalações pecuárias.
Dizem que é o progresso e o desemborbimento. Eu chamar-lhe-ia outra coisa. À ordem antiga deveria suceder ou evoluir para, uma nova ordem. Mas ao acabar com o que vinha a ser feito isso foi substituído por nada e coisíssima nenhuma. A isso chamo-lhe estagnação, senão retrocesso. E regiões há em que este abandono e desertificação nem sequer aos tempos anteriores da reconquista se podem referenciar. Nem ao tempo pré-romano. A vida castreja centrava-se no meio dos montes.
Assistiu-se á litoralização do país. E ao abandono físico do interior correspondeu nas áreas mais densamente povoadas à perca do sentido da ruralidade. O pessoal aburguesou-se. Tudo o que se come não vem da terra, vem do supermercado.. E mesmo onde há gente a mais os montes estão abandonados. Filhos e netos de grandes lavradores assumem hoje que nem sabem onde se localizam as suas propriedades.
O Mundo Rural, o tal do retrógrado Salazar, afinal de todos nós, foi desmantelado, destruído, abandonado.
Os de agora tentam remediar a coisa. Já em 1999 foi lançado o Programa de Acção Nacional de Combate à Desertificação. O PANCD, ver DR de 09/07/1999, do qual, resultados desconheço.
Mais recentemente apareceu o PRODER programa de apoio ao desenvolvimento rural do continente, para o período 2007-2013, aprovado pela Comissão Europeia, Decisão C(2007)6159 de 4 de Dezembro. Ao que consta de fraca execução.
Há também OS NOVOS POVOADORES. Um programa de incentivos para fixação de gente no interior, iniciativa de uma entidade privada (!!!) que ao que consta não saiu do papel. Mas Salazar tinha uma solução preventiva para um problema que décadas depois viria a surgir por acção (ou omissão) de um bando de mentecaptos a haver. Desde 1936 Salazar, para fixar gente no interior do país, tinha a JUNTA DE COLONIZAÇÃO INTERNA. Ou seja Salazar, afinal de contas, era um génio! Não que a minha opinião sobre Salazar tenha mudado. Para mim sempre foi e será uma calamidade política que se abateu sobre Portugal. A genialidade de Salazar só é vislumbrável tomando por base de comparação a imbecilidade dos decisores políticos do após 25 de Abril, com especial incidência daqueles que apareceram desde que se lembraram de meter Portugal na CEE, pois nesse entretanto, dada a balbúrdia reinante, não deu para grandes coisas.
Mais recentemente apareceu o PRODER programa de apoio ao desenvolvimento rural do continente, para o período 2007-2013, aprovado pela Comissão Europeia, Decisão C(2007)6159 de 4 de Dezembro. Ao que consta de fraca execução.
Há também OS NOVOS POVOADORES. Um programa de incentivos para fixação de gente no interior, iniciativa de uma entidade privada (!!!) que ao que consta não saiu do papel. Mas Salazar tinha uma solução preventiva para um problema que décadas depois viria a surgir por acção (ou omissão) de um bando de mentecaptos a haver. Desde 1936 Salazar, para fixar gente no interior do país, tinha a JUNTA DE COLONIZAÇÃO INTERNA. Ou seja Salazar, afinal de contas, era um génio! Não que a minha opinião sobre Salazar tenha mudado. Para mim sempre foi e será uma calamidade política que se abateu sobre Portugal. A genialidade de Salazar só é vislumbrável tomando por base de comparação a imbecilidade dos decisores políticos do após 25 de Abril, com especial incidência daqueles que apareceram desde que se lembraram de meter Portugal na CEE, pois nesse entretanto, dada a balbúrdia reinante, não deu para grandes coisas.
Os economistas da nossa entrada na CEE não repararam que ser lavrador não é uma profissão mas sim uma filosofia de vida. E não contabilizaram o trabalho silencioso da lavoura. Não entenderam que a lavoura não tinha, nem tem, como atribuição social, apenas colocar no mercado produtos a preços competitivos. No entender dessa gente o que se come vem dos supermercados, a preços de concorrência com as importações, e não da terra. Assim esta será, por consequência, para ser abandonada ou sacrificada ao betão e cimento armado.. Fizeram então desaparecer aquela miríade de pequenos lavradores que garantiam a ocupação do território e a manutenção de espaços que hoje das duas uma, ou estão abandonados aos incêndios implicando um combate cujo custo, de milhões, sai dos bolsos de todos nós ou se mobilizam brigadas em limpezas pagas da mesma forma. Ou tudo junto ao mesmo tempo.
Curioso é verificar que a política para a nossa lavoura foi sendo o inverso daquilo que se aplica na colecta dos impostos. Aqui, vale mais o pouco de muitos do que o muito de poucos. Na agricultura partiram do princípio que o inverso é que era! O resultado está à vista!
Assim se agora andam a apregoar que é necessário ordenar a floresta pode perguntar-se pelo menos no que toca a Areosa, quem é que a desordenou. Isto para os de memória curta e para quem não conhece a história. Poderá ajudar a não serem cometidos os mesmos erros.
Depois desta arenga talvez deixem de ficar surpreendidos com o monte a arder.
Isto é partindo do princípio que alguém se preocupa com isso!
Quando vier o Inverno já ninguém vai falar de incêndios
Estas coisas têm a sua época. Como tudo!
Afife, Outono de 2010
António Alves Barros Lopes
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