sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O TRIUNFO DA ASNEIRA

 

O triunfo da asneira

Li  escrever e foi na A Aurora do Lima de 10 de Maio de 2018, que a Câmara de Caminha tinha anunciado que a Cividade de Âncora/ Afife estava finalmente no caminho certo para a classificação, enquanto património arqueológico de valor reconhecido, remetendo para o anúncio 66/2018  (Diário da República, 2.ª série — N.º 85 — 3 de maio de 2018 pg.12490). 

Neste diploma e ao contrário da Notícia da A AURORA DO LIMA, onde consta a  Cividade de Âncora/Afife, apenas se refere à Cividade de Âncora situando-a no Monte da Suvidade, freguesia de Âncora, concelho de Caminha, e freguesia de Afife, concelho de Viana do Castelo, distrito de Viana do Castelo.

Acontece que a cividade, propriamente dita, (oppidum) não é de Âncora.                A Cividade propriamente dita é a CIVIDADE  DE AFIFE.  Quanto muito Cividade de Afife/Âncora como em tempos terá sido acordado por esta se situar em território das duas Freguesias. 

Dessa forma se enfatizaria o facto da maior parte  da sua área se situar em Afife. Pessoalmente só aceito essa interpretação dado que foi também essa a designação que, condescendentemente, David Freitas aceitou quando publicou na A AURORA DO LIMA DE 20 de Dezembro de 1996 o texto AFIFE – DAS ORIGENS DO TOPÓNIMO, se é que foi ele o autor da legenda da infografia aí constante.

Dizem diversos autores que a designação Cividade de Âncora se deve a Martins Sarmento.

Da imprecisão, de quem e porquê, se falará  mais adiante.

Mas quanto a Martins Sarmento, citado por vários autores, não se entende como é que  um homem do conhecimento estabeleceu essa designação quando sabia perfeitamente onde é que se situava a Cividade. A ela se refere situando-a entre a Matança e o Facho num percurso em que Afife parte com Baltazares (segundo o tombo de 1549 tal como o Tombo de Afife de 1548 já define). No entanto Martins Sarmento justifica que devido à densidade da vegetação existente era difícil ter uma ideia exacta sobre a topografia da Cividade, perguntando:

–“ Pertencia ela a Afife? A Âncora? Respondam os anjos.  

Mas é o próprio Martins Sarmento que mais tarde responde a essa dúvida.

No seguimento do que  Martins Sarmento deixou escrito, ele próprio testemunha que o limite de Âncora e Afife é o eixo do Monte Agudo e confirma que o Dólmen da Ereira se situa em Afife.

E se a referência à Matança for considerada vaga, já a precisão da descrição do Cruzeiro desfaz qualquer dúvida. Localizando-o e referenciando-o à data de 1776 gravada na sua sapata e a outra data que lhe parecia ser 1656. Testemunhando  também que a Norte do Dólmen do Monte Agudo aparecia a mesma data de  1776. E de uma outra igual no campo onde tinha encontrado um montão de conchas. 

Martins Sarmento confessa então que não imaginava o porquê dessas datas!!!

Acontece que mais tarde Martins Sarmento e em NB, informa que afinal a célebre data de 1776, encontrada em diversos sítios - na Lage da Ereira, na Cividade, Cruz da Matança etc. aludiam à divisão de Âncora e Afife. E quem lho confirmou, não tinha sido nenhum anjo. Mas sim o representante de Deus na Terra, mais precisamente o abade Âncora, Manuel José Gonçalves. Esse sim é que designou o castro como Cividade de Âncora muito embora mostrasse e demonstrasse a Martins Sarmento que a maior parte da Cividade se encontrava em Afife.  

Pois foi então do conhecimento de Martins Sarmento que a linha divisória começa no Forte de Cam, que ainda é de Âncora indo até ao Castro dos Mouros (Cutro).

Ora o que Martins Sarmento e o Abade de Âncora descrevem são os limites constantes nos tombos já referidos e identificados no terreno  com a particularidade de a data de 1776 não se referir à data de qualquer tombo mas sim a de um traslado do tombo da Comenda de Santa Cristina de Afife  de 1749.        Da mesma forma que o ano de 1656 não se refere à data de qualquer outro tombo mas sim à data em que foram reposicionados os malhões dos coutos (de Cabanas e de Afife) nos limites com Carreço.

O que leva a concluir que em 1656 os de Afife não se limitaram a trabalhar junto a Paçô mas também nos Limites Norte. Da mesma forma que o fizeram de novo em 1776 para o que terão então pedido o tal traslado do tombo de 1649 que remete os limites para a situação de sempre sem qualquer alteração.

Acontece que em 1960/1961, Abel Viana publica um trabalho a que chama CIVIDADE DE ÂNCORA onde explica que Martins Sarmento  chamou «de Âncora» à Cividade por  ter chegado ao local  pelo caminho velho que do lugar da Lage da freguesia de Santa Maria de Âncora se dirigia para Afife.

Mais informa Abel Viana que a sua (da Cividade) maior superfície fica na freguesia de Afife. Cabendo à freguesia de Âncora uma pequena parte. Resultando daí que a gente de Afife lhe chama Cividade de Afife…

No seguimento Abel Viana faz uma afirmação no mínimo surpreendente:

“… ao passo que na bibliografia arqueológica ela aparece designada por Cividade de Âncora, e é assim, evidentemente, que nela continuará a ser conhecida.”

Este “evidentemente “ de Abel Viana desmoronou-me por completo!

– Em qual  evidência arqueológica apoia Abel Viana o seu “evidentemente” ???

 – Será que algum arqueólogo seu antecessor na história encontrou na Cividade uma placa do tempo dos romanos a dizer que o sítio era Baltazares?

– Não acredito!!!

Ora a evidência do “evidentemente” de Abel Viana, deveria ser, como arqueólogo, a sua própria evidência factual, que evidentemente encontrou a maior superfície da Cividade em Afife e não em Âncora e corrigindo o erro bibliográfico da crismada designação.

Aliás a isso se referiu França Amaral chamando em 2011 verbalmente a atenção de Armando Coelho para esse mesmo erro que, isso sim, deveria ser corrigido por todos os investigadores posteriores. Pelo menos de Abel Viana seria isso mesmo que eu esperaria dado o seu cerne científico. 

No entanto Abel Viana coloca acima (! )  da própria História uma tal “bibliografia arqueológica” em que desta iriam constar as suas próprias informações!!!

( Vá lá saber-se agora da “resignação” de Abel Viana!)

 

Nota: 

Ver Armando Coelho F. Da Silva, in –  A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal, 1986,. Na Est. XXVII.

 Todas as estruturas que estão lá representadas se  situam em Afife. Ao contrário da legenda que se textua CIVIDADE DE ÂNCORA.  

As ruinas “levantadas” por Armando Coelho estão representadas na quadricula (27-1) (5-3) da Carta á escala de  1/2000 DE 1986 executada pela ESTEREOFOTO para a DGOT e Câmara Municipal de Viana do Castelo.

Relacionando a sua localização com a divisão administrativa   constante nos anexos ao processo de classificação -  Ver quadricula 27-1 da Carta Militar de 1949 à escala de 1/25000 - se pode verificar que as mesmas ficam nitidamente dentro de Afife.  Isto apesar de um erro de localização desse limite por alturas do marco no alto da Cividade. 

Fim da Nota

Tanto mais que não é só Abel Viana que confirma a Cividade em  Afife.  Já em 1957 Afonso Do Paço se refere à CIVIDADE DE AFIFE situando-a na Freguesia de Afife, dentro dos limites do concelho de Viana do Castelo, fora do qual fica apenas uma ligeiríssima parte, na elevação onde passa a linha divisória das bacias hidrográficas dos Rios de Âncora e de Cabanas.  Mais à frente Afonso do Paço cita diversas publicações onde consta CIVIDADE DE ÂNCORA remetendo para Martins Sarmento essa designação não por corresponder à sua localização efectiva mas apenas porque  Martins Sarmento a considerou como sendo da Bacia do Rio de ÂNCORA.

Ora nos escritos de Martins Sarmento citados o que consta é a sua dúvida, infundada aliás, como se demonstrou. Mais à frente e na página 16 nessa publicação de 1957, Afonso do Paço torna a referir-se à CIVIDADE DE AFIFE.

Mais recentemente podemos confirmar  a fala de José  Rosa de  Araújo na CAMINIANA  tomo X de 1984 na página  160  quando se refere a Martins Sarmento e suas  andanças pela  Cividade …..

“ Em Âncora, Martins Sarmento procedeu a várias escavações: Cividade de Âncora ( mais propriamente de  Afife) – Dolmem de Gontinhães Etc. “

De notar que aqui Rosa de  Araújo  muda  não só o advérbio de Abel Viana            

( de evidentemente para mais propriamente”),     

mas também o sentido azimutal da conclusão. 

A Cividade é a de Afife e não  a  de Âncora:

De tudo isto o que aceito perfeitamente é que a CIVIDADE DE AFIFE tivesse dado nome ao monte.

O que está em causa é onde se situa a Cividade que deu nome ao Monte.

O certo é que Cividade é um sítio de Afife. Lá estão “situadas” trinta e três propriedades particulares e um pequeno baldio  de  Afife. Muitas dessas propriedades estão em cima da Cividade propriamente dita.            

A essas propriedades, na Cividade em Afife,  já se referem  os livros existentes no Arquivo Municipal de Viana do Castelo que tratam de licenças para arrumadiços e tomadias, referentes à freguesia de Afife. Também o topónimo aparece, em 1760, várias vezes em 1782 e 1783. No tombo dos emprazamentos à Câmara de Viana de 1829, nos fólios respeitantes à freguesia de Afife, aparecem várias vezes a referências a propriedades em Afife, na CIVIDADE.

Não sei se esta situação tem réplica do outro lado do monte.

É apresentado agora anexado ao tal anúncio do DR um extracto topográfico com o Título: CIVIDADE DE ÂNCORA e que “apanhando” Afife,  abrange um perímetro  que chega a Laboradas e Sobrado já em Âncora. O que faz com que a área a classificar como Cividade abranja uma área superior nesta freguesia àquela que a Cividade ocupa em Afife e sem que esta esteja particularmente assinalada.

( no entanto é também apresentado em anexo um levantamento de Armando Coelho – Levantamento/Registo das estruturas da Cividade Âncora/Afife mas onde afinal de contas as estruturas representadas estão todas em Afife!!!.)

Ou seja meterem a Cividade de Afife num caldeirão mais vasto sem particularmente a cartografar.

Não sei qual o fundamento de tal perímetro. 

Será que foi encontrada uma outra CIVIDADE em Âncora?

Quanto a mim e embora seja de uma aldeia cheia de Fontes…

Sou de uma aldeia que tem um rio delas! Sou de uma aldeia que até tinha uma Fonte Seca – e que agora estão todas ou quase todas.

Sou de uma aldeia que tem uma casa delas!  E tendo eu aprendido a ler escrever e a contar na  escola do Fontes, … não sou fonte de conhecimento,  mas sim consumidor do mesmo.

E de Âncora  conheço pouco.  A Lage, a Gelfa, o Forte, a  Aspra  e o Cê ali perto!

Assim só peço, para meu enriquecimento cultural, que  alguém me leve  a Santa Maria de Âncora e me mostre onde é que se encontram lá estruturas como as que foram encontradas em Afife!

Nota importante. Este texto não seria possível:  

- Sem os elementos da fala de Martins Sarmento obtidos nos documentos do Museu em Guimarães.

 - Sem a consulta ao imenso repositório histórico do França que, também vidente, me colocou em contacto com o abade Âncora, Manuel José Gonçalves  

 - Sem as memórias de Abel Viana e seu sobrinho  António  

- Sem o precioso auxilio de Afonso do Paço e do seu primo Ernesto  que para tudo e em qualquer situação tem sempre mais uma informação a acrescentar.  

- Sem falar com a Junta de Freguesia de Afife.

- Sem falar com o pessoal do NAIAA, da APCA e da Rádio  Popular de Afife.  

– E sem o Horácio  que me guiou na labiríntica tarefa de localizar as páginas certas no imbricado sítio do Património.

 

http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/classificacao-de-bens-imoveis-e-fixacao-de-zep/despachos-de-abertura-e-de-arquivamento/ano-em-curso/

http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/patrimonio_imovel/classificacao_do_patrimonio/despachosdeaberturaearquivamento/2018/cividadeancora/er1.pdf

Anexos





















As ruinas “levantadas” por Armando Coelho estão representadas na quadricula (27-1) (5-3) da Carta à escala de  1/2000 DE 1986 executada pela ESTEREOFOTO para a DGOT e Câmara Municipal de Viana do Castelo. 

 Âncora na parte superior à linha Azul. Afife no lado inferior à linha Azul sendo a linha azul o limite de Afife com Âncora  transposto do extracto constante nos anexos “Elementos relevantes I e II” do respectivo processo do Património:




Anexos constantes no processo do património





















Acima a delimitação da “Cividade” constante no processo à qual sobrepus a delimitação das freguesias. Âncora na parte superior à linha Azul.

Afife no lado inferior à linha Azul sendo a linha azul o limite de Afife com Âncora  transposto do extracto constante nos anexos “Elementos relevantes I e II” e que aqui segue






















NOTA FINAL

Mas Abel Viana  não se limita a deixar passar o erro  na localização da CIVIDADE de AFIFE constante na bibliografia arqueológica que invoca.  Ele próprio e nesse  mesmo texto seu comete um outro erro esse sem qualquer explicação.  

Situa o lugar da Lagarteira, (pequena póvoa de Pescadores, que deu origem á actual Vila Praia de Âncora,)  em Santa Maria de Âncora!!!

Em primeiro lugar Âncora é na Margem esquerda do Rio Âncora. Lagarteira sempre foi na margem direita  do rio  Âncora .  Lagarteira era um lugar da antiga paróquia  de  Santa  Marinha  de Gontinhães  hoje Vila Praia de Âncora!  Gontinhães  paróquia, essa sim antecessora da actual Vila.

Afife, Dezembro de 2020

António Alves Barros Lopes


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